O sábado foi quase uma repetição
da sexta-feira, com a diferença que meu pai fez birra e disse que não ficaria
de jeito nenhum enfiado dentro de casa. Como ele estava bem e até mesmo
caminhando, colocamos uma cadeira no jardim da frente e ali papai se acomodou
cercado dos amigos. Não sabia que ele era tão popular. Eu fiquei ao lado dele,
ainda me sentindo fraca por ter comido tão pouco no dia anterior. Tentando não
pensar no Nando, dediquei-me a ler um livro para o tempo passar mais rápido.
Meu celular continuava escondido
no armário. O medo me assolava.
Um pouco antes do almoço, o
desastre. Eu continuava no jardim, ao lado do meu pai. Aquela altura ele estava
em pé, conversando em uma rodinha de vizinhos. E eu, sentada, sem conseguir me
concentrar na leitura, minha mente viajando pelos lugares mais terríveis
possíveis. Nando... o que você está fazendo agora?
Tive a impressão que escutei o
som do meu celular tocar. Impossível. Ele estava bem escondido no meio de
algumas roupas. Em seguida escutei a voz de Rafaela. Parecia que ela estava
falando com alguém no telefone. Guto, com certeza. Porém, mesmo assim eu me
levantei desconfiada. Entrei em casa em silêncio. Deparei-me com Rafaela
falando no meu celular animadamente. E com o Nando.
Fiquei tão pálida e tão furiosa
que quase me atirei como uma leoa em cima dela. Pressentindo minha presença
minha irmã se voltou sorridente. Pelo visto tinha achado o cunhado uma
simpatia. Há quanto tempo será que os dois primos não se conversavam?
- Nando, ela chegou! E está me
olhando furiosa – brincou ela – Legal falar com você! Sim, vamos combinar de
nos conhecer. Tchau!
Rafa me entregou o celular,
explicando-se:
- Encontrei o seu celular dentro
do armário. Quando eu o liguei, tocou em seguida. Atendi porque era seu namorado
e até eu encontrar você, ele já teria desistido de tentar.
Pena que não desistiu, pensei.
Fui para o quarto com as pernas moles. Sentada na cama e com a voz fraca, eu
disse:
- Oi, Nando.
- Por que você não me deu
notícias?
A voz dele estava dura. Nossa, e
agora?
- Minha irmã deve ter dito para
você que eu perdi o celular – eu tremi um pouco no final da frase.
- Não é desculpa, Pauline. Seus
pais ou sua irmã não tem telefone aí?
- Nando… Nando, eu não queria
incomodar você.
Lágrimas já vinham aos meus
olhos.
- Por isto você inventou para a
Ana que eu estava em viagem?
Levei cinco segundos para me dar
conta que a Ana a que ele se referia era minha irmã.
- Sim.
- Você tem ideia do quanto eu me
preocupei com você?
- Imagino.
- Cheguei a ir até seu prédio e
fiquei sabendo pelo porteiro que algo tinha acontecido com seu pai.
- Foi tudo muito de repente, meu
amor.
- Claro que foi de repente – ele
devolveu cada vez mais irritado – Eu nunca vi um acidente estar programado para
acontecer. Mas não tem cabimento eu saber o que está acontecendo com você
através do seu porteiro.
- Desculpe-me – quase implorei.
- Como está o seu Heitor?
Heitor? Ah, era o nome falso do
meu pai.
- Está ótimo.
- Quando você vem?
- Amanhã – respondi meio apavorada.
E se ele quisesse vir me buscar?
- Quer que eu vá até aí buscar
você?
- Não – respondi rapidamente,
arrependendo-me em seguida. Mas aí já era tarde demais.
- Não quer? – Nando perguntou
frio.
- É que o Guto vem nos pegar. Não
precisa se preocupar com a gente, meu amor. Está tudo bem.
- Realmente... agora não estou
mais nem um pouco preocupado.
E dizendo isto ele desligou o
telefone, sem ao menos me dar um “tchau”. Fiquei olhando abobalhada para o
celular, sem poder acreditar que o Nando tinha feito aquilo. Eu não podia ter
perdido meu namorado. Eu não podia!
Rafa entrou no quarto naquele
momento e eu tentei disfarçar meu desespero. Engoli em seco e a encarei,
enquanto ela dizia:
- Nossa, Paulinha, ele é um amor.
Como é simpático! Achei seu celular no meio de um monte de roupas. Você não
lembra de tê-lo posto ali?
- Não – e minha voz mal saiu.
- Ele contou que ligou mais de
mil vezes para você. Estava morrendo de preocupação.
- Pois é, mas agora está tudo
resolvido.
- Só achei estranha uma coisa – disse
Rafa e eu gelei de vez.
- O que você achou estranho?
- Ele me chamou o tempo todo de
Ana. Eu nem mesma lembro que meu nome é Ana Rafaela.
Eu queria chorar e não podia.
Mentiras, mentiras, mentiras.
- Talvez o Nando goste mais do
seu primeiro nome.
- Pode ser. Mas quando nos
conhecermos, já vou dizer para ele me chamar de Rafa. Ah, vamos combinar uma
saída, né? O Guto vai gostar dele também, tenho certeza.
- Eu tinha certeza de que você
iria gostar do meu namorado.
Eu nem sabia se ainda tinha
namorado. Mas fui em frente, a merda já estava feita mesmo:
- E faça o favor de dizer para
nossos pais o quanto ele é querido e simpático.
“Só não conte que ele é da
família também.”
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