sexta-feira, 28 de setembro de 2012

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 51)


− Paulinha… que fotos são estas?

Rafaela estava pálida. E assustada. Ao ver o rosto branco da minha irmã, me perguntei como faria para me livrar daquela confusão. Não enxerguei nenhuma saída que me salvasse.
− Quem mandou você mexer aí? – perguntei furiosa, avançando para o computador e arrancando o pen drive – Você não conhece os limites da minha privacidade?
Minha irmã ficou em pé aturdida.
− Aquele é nosso primo Fernando. Você está namorando ele?
Fiquei em silêncio. Guto apareceu na porta e Rafaela o pôs para correr.
− Me diga – insistiu ela – Este Nando que você namora é o mesmo Nando nosso primo?
− Não sei mais se estamos juntos – grunhi.
− Meu Deus, Paulinha – e Rafa colocou a mão na cabeça em uma atitude dramática – Você tem noção do que significa seu envolvimento com ele?
Não respondi, tensa.
− Quando você o conheceu já sabia quem era? – perguntou Rafaela com os olhos arregalados – Diga que você não o tinha reconhecido.
− Eu sabia – sibilei – Sempre soube. Eu planejei meu encontro com ele na festa de ano novo. Sempre fui apaixonada por ele. Assim que tive condições, passei a acompanhar os passos dele pelo Facebook. Eu sabia onde ele trabalhava, das festas, dos amigos e até mesmo da namorada que ele largou de vez para ficar comigo!

Rafaela era a imagem do choque. Não achei que fosse para tanto.
− E ele sabe quem é você?
− Nem desconfia. Estou conseguindo enrolar o Nando e…
− Até quando você pretende seguir com esta história doida?
− Não sei! – eu gritei – Me deixe em paz, isto é problema meu!
− Não é seu – gritou ela também – É um problema que envolve toda nossa família!
− Se você ficar calada, nossos pais não vão saber de nada!
− Mas eu jamais faria isso com eles! Não tenho coragem de contar para nossos pais o que você está fazendo!
− Se você quer saber, eu pouco me importo se o nosso tio roubou papai! Meu problema é com o Nando e não vou deixar de viver um grande amor por desavenças do passado.
− Você me surpreende, negativamente, cada dia que passa. Agora entendo porque você não contou para Nando que papai estava doente. Tinha medo que ele fosse visitar a gente. E o fato do nosso primo me chamar o tempo todo de Ana… Ana Rafaela não é um nome comum e ele poderia começar a achar que seria coincidência demais duas irmãs terem o mesmo nome que as suas primas desaparecidas. E como ele nunca se deu conta que você é você? Seu nome também é incomum.
− Porque na nossa família ninguém nunca me chamou de Pauline. E eu mudei um pouco, creio eu – expliquei arrasada com aquela discussão.
− Ah, você mudou mesmo. Mas tenho certeza de que nossos tios a reconheceriam até mesmo no inferno. E é este o lugar que você vai morar quando seu grande amor descobrir a farsa que você é.
Rafaela saiu batendo a porta e eu fiquei parada no mesmo lugar, tentando digerir cada palavra dita por ela. Eu, uma farsa? Sim, eu era uma farsa.

Minha irmã não ficou em casa. Pouco tempo depois escutei a porta batendo. Mais uma noite em que eu passaria sozinha e em crise.

E foi uma noite do cão. Tive sonhos horríveis e realmente, quando me acordei, meus olhos estavam tão pesados que fiquei em dúvida se tinha conseguido dormir alguma coisa. Tentei me levantar para ir ao banheiro, mas desabei de volta na cama estonteada. Subitamente comecei a ficar enjoada e, é claro, entrei em pânico. Meu mundo rodava, a náusea era cada vez mais forte e eu inteiramente sozinha, sem ninguém para me ajudar, como sempre.

Nunca havia me sentido tão mal em toda minha vida. O celular não estava perto. O banheiro também não. Lembrei-me do Nando e tive vontade de chorar. Seguramente, naquele momento, não existia no universo inteiro ninguém mais infeliz do que eu.

Chegou uma hora que eu não pude mais suportar. Antes que eu vomitasse em cima de mim mesma, saí da cama, cambaleante e por algum milagre consegui chegar ao banheiro. Perdi a conta de quanto tempo eu fiquei ali, com a cabeça praticamente enfiada dentro do vaso sanitário. Achei que fosse morrer quando deitei no piso frio. De alguma forma aquilo fez com que eu me sentisse minimamente melhor. Pelo menos o mundo não rodava mais.

Já eram quase onze e trinta da manhã, quando eu escutei a porta do apartamento se abrir. Nem acreditei. Seria Rafa? Aquele não era horário dela estar em casa.
− Paulinha?
Era mesmo a minha irmã. Entreabri os olhos, meio sonolenta. Eu estava grogue de tanto vomitar. Oca. Murcha. Quase sem vida, era assim que eu me sentia. Escutei os passos da minha irmã pelo apartamento, mas eu estava tão fraca que o som que saiu da minha boca era quase um soluço. Percebi quando Rafa entrou no meu quarto e se deu conta que minha cama estava desarrumada. Nunca, somente em casos excepcionais, eu deixo um lençol fora do lugar. Com o pé, consegui empurrar a porta do banheiro de encontro à parede para chamar a atenção dela. Meio segundo depois, Rafa estava ao meu lado, totalmente histérica.
− Paulinha! – berrou ela junto ao meu rosto – O que aconteceu?
Tentei articular alguma palavra, mas foi impossível. Imediatamente Rafaela sacou o celular de dentro da bolsa e ligou para alguém.
− Guto! Venha para minha casa agora! Encontrei a Paulinha desmaiada no banheiro! Acho que ela está muito mal!



FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 50)


Deixei o celular ligado direto, na esperança de que o Nando ligasse. Ele não ligou, a bateria se foi e eu nem tive ânimo de carregar. Era uma hora da manhã quando resolvi levantar, tomar banho, fingir que comia e assistir TV. O sono veio por volta das quatro horas da madrugada e acabei despertando as oito quando a Rafaela chegou e me flagrou dormindo no sofá.
– Nossa, que susto! – exclamou ela ao me ver dormindo meio sentada meio deitada, o rosto inchado.
Guto perguntou inocentemente:
– Você está doente?
Rafa quem respondeu:
– Não, Guto. Ela brigou com o Nando e passou a noite aos prantos. Acertei?
– Como você é perspicaz – resmunguei espreguiçando-me.
– O que aconteceu agora, Paulinha? Vocês estavam indo tão bem...
– Nem me pergunte – eu pedi com a voz baixa – Não quero falar sobre isto. Mas acho que perdi meu namorado.

Os dois ficaram em silêncio sem ter o que dizer. Então Guto fez o convite:
– Você não quer ir a um passeio ciclístico conosco? Vai ser bem divertido.
– Isto mesmo, Paulinha – incentivou Rafaela – Você vai fazer o que em um domingão como hoje? Sofrer?
Na ponta da minha língua pairava um sonoro “não”. Porém, a perspectiva de passar um domingo chorando era terrível. Aceitei.

Rafa e Guto vibraram com minha boa vontade e tratamos de pegar as bikes e participar do evento. Durante o trajeto consegui cair duas vezes e sangrar meus joelhos, mas nem me importei. A dor física dos esfolados era bem mais fácil de suportar daquela que assolava meu pobre coração.

Passamos o dia fora e chegamos somente de noite em casa. Eu estava exausta. E cheia de esperança. Quem sabe Nando tinha tentado me ligar durante o dia?

Peguei meu celular que se encontrava atirado em um canto da sala e imediatamente eu o pus para carregar. Minha irmã, assistindo toda aquela movimentação, reparou que eu esperava ansiosamente por uma mensagem que não veio.
– Ele não se manifestou?
– Não – respondi amuada – Absolutamente nada.
– Acho que você devia largar este cara. Ele só faz você sofrer.
– Presumo que ele já tenha feito isto.

Deixei o telefone ligado na esperança de que algo acontecesse. Enquanto Guto assistia TV e Rafaela tomava banho, peguei meu pen drive onde eu guardava todas as minhas fotos com o Nando. Nem sei por que fiz aquilo comigo. Era meu lado masoquista, relembrando momentos felizes passados com meu amor. Olhando as fotos, eu não conseguia acreditar que aquela garota feliz da vida era eu. E que aquela mesma garota havia namorado o cara mais lindo, gentil, querido e carismático do mundo.

Depois de algum tempo sofrendo, Rafaela interrompeu minha sessão nostalgia pondo a cabeça dentro do quarto dizendo:
– Paulinha, já liberei o banheiro para você.
– Obrigada – respondi desanimada.

Peguei roupas e a toalha e fui tomar banho. A água quente ardeu nos meus joelhos ralados e eu torci que me desse alguma infecção galopante. Doente, eu não pensaria nele, esta era a lógica da minha mente perturbada.

Meia hora depois, de banho tomado, não estava menos angustiada. Fui direto para meu quarto sentindo minha barriga roncar. Estava imaginando o que eu poderia comer, quando me deparei com Rafaela sentada em frente ao computador, olhando as fotos do Nando. Tive vontade de me esganar. Como é que eu havia esquecido o meu arquivo aberto? Imperdoável. Esperava que Rafaela não tivesse reconhecido o primo. Porém, quando ela me encarou, percebi que o estrago estava feito e que era imenso também.


FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 49)


O resto da semana foi uma lua de mel intensa e feliz. Nem parei em casa e enquanto não procurei a agência para explicar o meu desaparecimento e dizer que estava fazendo os exames para admissão, a Rafa não parou de me encher o saco. Para ir aprendendo o serviço, me ofereci para trabalhar meio turno até minha situação ficar regularizada. Naquela semana maravilhosa, levei uma vida de mulher casada e adorei cada momento. Às vezes eu olhava a minha mão esquerda e enxergava uma enorme aliança dourada, com meu nome e o do Nando entrelaçados. E tenho certeza de que meu namorado curtiu aquilo tudo também, pois vivemos dias de muito amor. Graças a Deus ele não perguntou nada sobre a minha família e falou muito pouco sobre a dele.

O desgaste ocorreu no sábado. Estávamos voltando do supermercado pela manhã quando o celular do Nando tocou. Naquele momento, antes mesmo de ele dizer “alô”, eu pressenti que a minha paz estava indo para o espaço. E estava mesmo.

Tensa, acompanhei todo o diálogo com o coração acelerado e as mãos úmidas. Quando Nando desligou, eu olhava fixamente para frente, imaginando – e prevendo – o que aconteceria.
– Era o Maurinho. Ele perguntou se eu posso passar lá para pegar um CD.
– Lá onde? – eu perguntei tentando parecer normal.
– Lá na casa dos meus pais – respondeu o Nando, certo de que aquilo era a coisa mais normal do mundo.
– Bem, então você me deixa em casa com as compras – eu retruquei, já transparecendo na minha voz um leve toque de nervosismo – Enquanto você vai lá, eu preparo o seu almoço.

O Nando me olhou como se não estivesse entendendo:
– Pensei em levar você comigo. Já estamos no caminho e você fica conhecendo meus pais também. Podemos até ficar para almoçar lá.
Olhei para ele, sentindo-me a beira de um surto.
– Prefiro ir para casa, amor.
– Por quê? – ele me encarou invocado – Está certo, então passamos por lá rapidamente.
– Não quero ir, Nando – declarei obstinada.
– É rápido, Pauline! Puxa, é só para buscar a merda de um CD!
Fernando estava bravo. Ou melhor, lançando chamas e faíscas pelos olhos quando se dirigia a mim.
– Não acho que seus pais queiram me conhecer!
Em segundos estávamos aos berros dentro do carro.
– De onde você tirou isto?
– Porque eu sou diferente de Raquel! Eles devem achar que você está saindo com uma mulher estabilizada na vida, com um futuro garantido, com grana na conta corrente! E não uma pé rapada que não tem onde cair morta e está trabalhando de graça para não perder o futuro emprego!
Ele bufou.
– Não acredito que escutei isto da sua boca, Pauline.
Fiquei muda. Arrependi-me imediatamente de ter exposto todo o meu nível de inferioridade perante ele. Burrice total.
– Meus pais vieram de baixo – continuou ele friamente – Não admito escutar você dizer tanta merda.
– Não quero ir, Nando – repeti com os olhos esbugalhados. A fúria dele me inibia de tentar argumentar qualquer outra coisa que fosse para a minha defesa – Eu quero ir para casa...

Eu me referia como “casa” o apartamento dele. Porém, possesso, Nando fez uma manobra brusca com o carro e me levou, calado, até o meu prédio. Quando ele freou bruscamente na frente da minha casa, eu o encarei desesperada para tentar consertar toda a porcaria que eu havia feito. Entretanto, ele olhava para o outro lado, com as mãos crispadas ao volante, apenas esperando que eu resolvesse cair fora.

Não tive coragem de dizer nada, embora mil palavras estivessem soltas dentro da minha boca. Saí do carro, louca de vontade de chorar e ele arrancou em seguida, cantando pneu, fazendo a festa de uns garotos que brincavam na calçada e me fazendo morrer de vergonha. Ignorei o porteiro que me olhava com curiosidade e me joguei escada acima, desalentada. Abri a porta do apartamento já aos prantos e me atirei na cama, onde chorei sem parar o dia inteiro. Da Rafa nem sinal. Até era melhor, para que eu pudesse sofrer sem ninguém ficar perguntando o motivo. Fiquei sozinha o dia inteiro e a noite também. Talvez fosse aquele meu destino.
           
Solidão.


sábado, 22 de setembro de 2012

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 48)


Partimos no domingo à tardinha, tranquilas com o estado satisfatório do meu pai. Minha irmã ficou o tempo todo me lembrando de que eu devia procurar a agência e explicar meu sumiço. Mas eu não estava nem aí para eles. Meus pensamentos só queriam saber do Nando. Evidentemente ele não tinha mais me ligado, furioso que estava. Eu nem sabia se ainda era namorada dele e minhas horas de sono foram reduzidas a três por noite. Só de pensar que meu relacionamento com o Nando estava por um fio, meu estômago se revoltava. No domingo de noite, recém instalada em casa, tomei a decisão. Eu iria procurar o Nando no banco no dia seguinte. Preparei-me para escutar uma série de desaforos.

Cheguei ao banco meia hora antes do almoço. Vesti uma roupa um pouco melhor para não parecer uma pobretona. Fiquei surpresa quando descobri que o Nando tinha uma secretária só para ele e fiquei mais feliz ainda ao ver que ela possuía, pelo menos, uns trinta anos a mais que eu.

Ela ao me ver não demonstrou surpresa nenhuma. Ficou me encarando por debaixo das suas lentes grossas, esperando que eu me manifestasse.
− Eu… eu quero falar com o Fernando.
− Ah, o doutor Fernando? – fez questão ela de me corrigir – Tem hora marcada?
− Preciso marcar? – perguntei confusa – Não achei que precisasse. Eu…
− Qual seu nome?
− Pauline.
− De onde? Qual o assunto – A secretária não demonstrava a menor boa vontade comigo.
− Sou a namorada dele.

A mulher imediatamente mudou o comportamento, tornando-se um pouco mais educada. Pediu licença e entrou na sala do chefe. Dois segundos depois ela voltou com um sorriso forçado e disse:
− Pode entrar.
           
Ufa! Não fui posta para a rua. Com as mãos suando, entrei timidamente na sala. Surpreendi-me pelo bom gosto dos móveis e pela decoração de alto nível. Meu senso de inferioridade acentuou-se a níveis críticos.

Encontrei o Nando sentado junto à mesa olhando atentamente para a tela do seu notebook, ignorando-me totalmente. Aproximei-me devagar, esperando alguma explosão da parte dele. Nada. Apenas a indiferença.
Trêmula, eu me sentei já com lágrimas nos olhos. Sussurrei:
− Nando…
Foram séculos – na verdade apenas segundos – o tempo que ele levou para me encarar. Sua expressão dura se amenizou quando se deparou com a minha cara de coitada.
− Nando, me desculpe.

Ele ficou alguns instantes em silêncio e perguntou:
− Como está seu pai?
− Melhorando. Mas eu não vim aqui falar sobre ele.
− Pauline, deixe assim.
Fiquei estática. Achei que estava levando o temível pé na bunda.
− Não entendi.
− Esqueça isto tudo. Vamos passar por cima do que aconteceu.

Fui soltando o ar aos poucos, não querendo mostrar o quanto eu me sentia aliviada.
− Não quis incomodar você, Nando, com os problemas do meu pai.
− Mas poderia ter me avisado.
− Não tive tempo – argumentei, fracamente.
− Esqueça – pediu ele novamente, fazendo um gesto para acabarmos com aquela situação estressante – Ele está bem, não está?
− Claro – respondi ansiosa
− Ótimo. Só cuide para não repetir seu gesto.

Levantei da cadeira e fui até ele, pois precisava urgentemente sentir o abraço do meu namorado. Nando também se levantou para me abraçar e quando nos unimos, percebi realmente que aquele problema estava superado. Até vir outro pior.
− Você é muito misteriosa – sussurrou ele no meu ouvido.
− Não sou, não – neguei gelada até os ossos.
− Eu ainda vou descobrir os seus segredos.

Felizmente eu estava com o rosto enterrado no ombro dele e Nando não percebeu o quanto eu estava sem graça. Porém, naquele momento eu estava feliz. E disposta a curtir minha felicidade mesmo que ela fosse fugaz.


terça-feira, 18 de setembro de 2012

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 47)


O sábado foi quase uma repetição da sexta-feira, com a diferença que meu pai fez birra e disse que não ficaria de jeito nenhum enfiado dentro de casa. Como ele estava bem e até mesmo caminhando, colocamos uma cadeira no jardim da frente e ali papai se acomodou cercado dos amigos. Não sabia que ele era tão popular. Eu fiquei ao lado dele, ainda me sentindo fraca por ter comido tão pouco no dia anterior. Tentando não pensar no Nando, dediquei-me a ler um livro para o tempo passar mais rápido.

Meu celular continuava escondido no armário. O medo me assolava.

Um pouco antes do almoço, o desastre. Eu continuava no jardim, ao lado do meu pai. Aquela altura ele estava em pé, conversando em uma rodinha de vizinhos. E eu, sentada, sem conseguir me concentrar na leitura, minha mente viajando pelos lugares mais terríveis possíveis. Nando... o que você está fazendo agora?

Tive a impressão que escutei o som do meu celular tocar. Impossível. Ele estava bem escondido no meio de algumas roupas. Em seguida escutei a voz de Rafaela. Parecia que ela estava falando com alguém no telefone. Guto, com certeza. Porém, mesmo assim eu me levantei desconfiada. Entrei em casa em silêncio. Deparei-me com Rafaela falando no meu celular animadamente. E com o Nando.

Fiquei tão pálida e tão furiosa que quase me atirei como uma leoa em cima dela. Pressentindo minha presença minha irmã se voltou sorridente. Pelo visto tinha achado o cunhado uma simpatia. Há quanto tempo será que os dois primos não se conversavam?

- Nando, ela chegou! E está me olhando furiosa – brincou ela – Legal falar com você! Sim, vamos combinar de nos conhecer. Tchau!

Rafa me entregou o celular, explicando-se:
- Encontrei o seu celular dentro do armário. Quando eu o liguei, tocou em seguida. Atendi porque era seu namorado e até eu encontrar você, ele já teria desistido de tentar.

Pena que não desistiu, pensei. Fui para o quarto com as pernas moles. Sentada na cama e com a voz fraca, eu disse:
- Oi, Nando.
- Por que você não me deu notícias?
A voz dele estava dura. Nossa, e agora?
- Minha irmã deve ter dito para você que eu perdi o celular – eu tremi um pouco no final da frase.
- Não é desculpa, Pauline. Seus pais ou sua irmã não tem telefone aí?
- Nando… Nando, eu não queria incomodar você.
Lágrimas já vinham aos meus olhos.
- Por isto você inventou para a Ana que eu estava em viagem?

Levei cinco segundos para me dar conta que a Ana a que ele se referia era minha irmã.
- Sim.
- Você tem ideia do quanto eu me preocupei com você?
- Imagino.
- Cheguei a ir até seu prédio e fiquei sabendo pelo porteiro que algo tinha acontecido com seu pai.
- Foi tudo muito de repente, meu amor.
- Claro que foi de repente – ele devolveu cada vez mais irritado – Eu nunca vi um acidente estar programado para acontecer. Mas não tem cabimento eu saber o que está acontecendo com você através do seu porteiro.
- Desculpe-me – quase implorei.
- Como está o seu Heitor?

Heitor? Ah, era o nome falso do meu pai.
- Está ótimo.
- Quando você vem?
- Amanhã – respondi meio apavorada. E se ele quisesse vir me buscar?
- Quer que eu vá até aí buscar você?
- Não – respondi rapidamente, arrependendo-me em seguida. Mas aí já era tarde demais.
- Não quer? – Nando perguntou frio.
- É que o Guto vem nos pegar. Não precisa se preocupar com a gente, meu amor. Está tudo bem.
- Realmente... agora não estou mais nem um pouco preocupado.

E dizendo isto ele desligou o telefone, sem ao menos me dar um “tchau”. Fiquei olhando abobalhada para o celular, sem poder acreditar que o Nando tinha feito aquilo. Eu não podia ter perdido meu namorado. Eu não podia!
Rafa entrou no quarto naquele momento e eu tentei disfarçar meu desespero. Engoli em seco e a encarei, enquanto ela dizia:
- Nossa, Paulinha, ele é um amor. Como é simpático! Achei seu celular no meio de um monte de roupas. Você não lembra de tê-lo posto ali?
- Não – e minha voz mal saiu.
- Ele contou que ligou mais de mil vezes para você. Estava morrendo de preocupação.
- Pois é, mas agora está tudo resolvido.
- Só achei estranha uma coisa – disse Rafa e eu gelei de vez.
- O que você achou estranho?
- Ele me chamou o tempo todo de Ana. Eu nem mesma lembro que meu nome é Ana Rafaela.

Eu queria chorar e não podia. Mentiras, mentiras, mentiras.
- Talvez o Nando goste mais do seu primeiro nome.
- Pode ser. Mas quando nos conhecermos, já vou dizer para ele me chamar de Rafa. Ah, vamos combinar uma saída, né? O Guto vai gostar dele também, tenho certeza.
- Eu tinha certeza de que você iria gostar do meu namorado.

Eu nem sabia se ainda tinha namorado. Mas fui em frente, a merda já estava feita mesmo:
- E faça o favor de dizer para nossos pais o quanto ele é querido e simpático.

“Só não conte que ele é da família também.”
           

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 46)


Ficamos no quarto com papai até a noite. Mamãe foi em casa tomar um banho e voltou em seguida. A impressão que eu tinha é que a cidade inteira estava indo visitar meu pai. Combinamos de passar o final de semana na nossa cidade e Guto voltou na sexta-feira pela manhã. Nossa mãe gostou que ficássemos por lá. Durante aquele fim de semana, auxiliaríamos mamãe nos cuidados com ele, em casa, assim que fosse liberado do hospital.
Também na sexta-feira eu não liguei o celular. Fiquei imaginando o que Nando poderia estar pensando. Estaria preocupado achando que eu morri? Ou que eu estaria fugindo dele... Ele também poderia estar procurando consolo nos braços de Raquel, já que a nova namorada estava ausente, em lugar incerto e não sabido. Felizmente, quando meu pai voltou para casa, ele se tornou o centro das atenções e mamãe e Rafa não perguntaram nada sobre meu namoro. E eu fiquei doente. Passei com enxaqueca e enjoada, atirada no sofá. Não as ajudei nos cuidados com papai. Não comi, não bebi, sentia-me fraca. Papai se recusou a ficar na cama, ficando ao meu lado, na sala. As visitas iam e vinham e me encontravam pálida, inerte. Todos pensavam que eu estava abalada pelo acidente. Deixei o celular dentro do guarda-roupa, bem distante de mim. Para não fugir do habitual, menti que o tinha perdido quando lá pelas tantas a Rafa perguntou se o Nando havia ligado. Então meu pai resolveu comentar:
− Achei que hoje eu conheceria este seu namorado secreto.
Fiquei mais pálida do que já estava. Respondi tensa:
− Ele está viajando, pai. E o Nando é uma pessoa muito ocupada.
Meu pai me olhou como se não acreditasse naquela minha desculpa esfarrapada.
− Quer dizer que se eu tivesse morrido, ele não teria vindo ao meu enterro por estar a serviço?
− Pai, por favor… - pedi, revirando os olhos irritada – Não comece a me provocar.
Aparecendo da cozinha com um prato de sopa, mamãe disse:
− Também pensei que conheceria meu genro misterioso.
− Ele não tem nada, absolutamente nada de misterioso. É um cara comum. O que é isto? – perguntei quando minha mãe colocou o prato de sopa na minha frente.
− Coma. Você está muito magra e não pode ficar doente agora que arranjou um emprego novo.
Sorvi algumas colheradas daquela sopa deliciosa, ainda escutando comentários sobre meu namoro.
− Da próxima vez que você vier aqui traga seu namorado, Paulinha. Ou ele é tão bem sucedido que não quer conhecer sua família pobre?
− Ele já manifestou vontade de vir conhecer vocês – respondi emburrada – Só que o momento ainda não aconteceu.
− Você não está escondendo suas origens, não é mesmo, minha filha? – perguntou mamãe, subitamente desconfiada de alguma coisa.
Lutei para não ficar vermelha. Fiquei soprando a sopa, embora ela não estivesse mais quente. Meu Deus, o cerco se fechava. Quando não era Nando, eram meus pais.
− Não, claro que não. Vou esconder o quê?
− Que não pertencemos ao mesmo nível social dele.
Não a encarando diretamente, disse:
− Ele sabe disso. Mas acho que não se importa.
− Já conhece os pais dele?
Meu pai fez a pergunta e ela soou ácida nos meus ouvidos. Socorro.
− Não
− Por quê?
− Porque não. Porque eu não quero – e dizendo isto, devolvi o prato para minha mãe, aborrecida e nervosa – Vocês fazem perguntas demais. Meu namoro está apenas no início. Boa noite. Eu vou dormir.
Levantei-me do sofá, respirando fundo para não estontear. Fui para o quarto e me joguei na minha antiga cama. Dormi imediatamente, um sono recheado de pesadelos com o Nando.


sábado, 8 de setembro de 2012

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 45)


A viagem foi tranquila, em silêncio. Diversas vezes Rafaela tentou se comunicar com mamãe, porém não teve sucesso. Meu coração batia tão forte que parecia que minha irmã e meu cunhado poderiam escutá-lo. A incerteza e o fato de não haver notícias era algo pavoroso. Os piores pensamentos vinham a minha mente. Eu tinha plena certeza de que chegaríamos em casa – ou no hospital – e a notícia seria de que meu pai estava morto. E para completar a desgraça eu não avisara o Nando de nada. Não podia correr o risco de ele querer vir junto. Meu celular se mantinha estrategicamente desligado.

Guto fez o trajeto em tempo recorde. Porém, à medida que nós nos aproximávamos da cidade, mais meu coração saltava. Não era preciso dizer que minha náusea estava cada vez mais forte. Rafaela, ao lado de Guto, também estava branca. Durante toda a viagem ela praticamente não falou nada. E somente um fato muito extraordinário para manter minha irmã calada.

Ficamos na dúvida se deveríamos ir direto para nossa antiga casa ou para o hospital. Eu não queria ir para lugar nenhum. Rafaela achou melhor deixarmos nossas coisas em casa e ver se algum vizinho poderia nos informar alguma coisa. Talvez papai nem mesmo estivesse na cidade. Dependendo da gravidade do caso, ele poderia estar já em outro hospital mais aparelhado.

Entramos na nossa casa vazia. A mesa do café ainda estava posta. Manteiga, geleia, o pão... Acho que minha mãe tinha largado tudo para socorrer meu pai e não tinha voltado mais para casa desde então. Só de olhar para aquele cenário me doía o coração. E a falta que eu sentia do Nando era cada vez mais forte.

Sombriamente Rafa largou sua mochila no sofá e murmurou:
− Isto aqui parece uma casa fantasma.

Torcendo as mãos de puro nervosismo, eu perguntei cada vez mais sem chão:
− E agora? O que a gente faz?
− Que tal se procurarmos algum vizinho? – perguntou Guto, o único ser calmo presente naquela casa – Não era esta nossa ideia inicial?
− Eu não tenho coragem – assumi desabando no sofá – Tenho medo de saber a verdade.
Rafaela estava abrindo a boca para falar alguma coisa quando a campainha tocou. Eu dei um pulo e minha irmã me olhou pálida. Prevendo que nós duas ficaríamos imóveis, Guto tomou a iniciativa de abrir a porta. Era a dona Amélia.

Eu nem me mexi. Esperava o pior totalmente paralisada. Rafa, tentando ser mais corajosa do que eu, aproximou-se da mulher perguntando:
− E então, dona Amélia? Onde está meu pai? Ele… ele…

Para nosso imenso alívio, dona Amélia abriu um sorriso tranquilizador. Meu ar foi escapando devagarzinho, enquanto ela respondia calmamente:
− Está tudo certo, meninas. O pai de vocês está bem. Quebrou três costelas e está voltando para casa amanhã. Pelo visto está melhor que vocês.

Eu e Rafa nos entreolhamos aliviadas e felizes agora. O pavor havia passado. Guto, para descontrair o ambiente, propôs:
− Bem, eu sugiro que a gente vá visitá-lo e depois comer alguma coisa. Agora está tudo no seu lugar.

Meu enjoo foi embora dando lugar a uma imensa fome. Lembrei que poderia ligar para Nando e contar tudo, mas o medo que ele resolvesse vir nos visitar persistia. Fomos direto para o hospital e conseguimos falar com papai. Por causa da pressão alta, ele passaria mais um dia internado. Rafaela se ofereceu para ficar à noite com ele, mas minha mãe recusou. Não arredaria pé dali de jeito nenhum. Resolvemos almoçar no restaurante do hospital mesmo. Porém, apesar da fome, eu não consegui comer muita coisa. Minha preocupação agora se chamava Nando. Então, lendo meus pensamentos enquanto eu remexia no meu prato, Rafa perguntou:
− Você avisou seu namorado?

Levei um choque com aquela pergunta, como se todas minhas mentiras estivessem sendo desvendadas naquele momento. Meio gaguejando respondi:
− Não, eu… eu… ele está viajando.
− E qual o problema? – ela insistiu de boca cheia.
− Ora, Rafa! Não vou incomodar o cara com isto.
− Não vejo incômodo nenhum. Vocês são namorados. Tem que dividir as coisas, assim como eu e o Guto.
Não respondi, chateada com o rumo que a conversa estava tomando. Eu queria muito dividir as coisas com o Nando. Mas não podia. De repente minha fome se perdeu. Empurrei o prato para o lado e desisti de almoçar.
− O que foi, Paulinha? – Guto me olhou estranhamente – Enjoou de novo?
− Estou meio nervosa ainda – menti.
Rafa pegou a comida do meu prato e despejou no dela, dizendo bem humorada:
− Odeio desperdício.

O resto do almoço eu permaneci muda, observando minha irmã e Guto conversarem, animadamente. Eu não tinha sequer coragem de ligar meu celular com medo de encontrar uma mensagem do Nando. Sentia-me completamente sem saída. Pelo menos meu pai estava bem. O resto estava mal, muito mal.


segunda-feira, 3 de setembro de 2012

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 44)


Apesar dos meus medos e da ameaça mais presente de Raquel em minha vida, passei uma noite maravilhosa com o Nando. No outro dia pela manhã saímos juntos, já que eu teria que fazer os exames para admissão. Pelo menos teria alguma coisa para me distrair.
As horas passaram lentamente para meu desgosto. Naquela noite dormi em casa mesmo, já que meu namorado tinha combinado de jogar sinuca com os amigos. O que eu poderia fazer? Algemá-lo? Esta era a vontade. Depois que eu contei para minha irmã todos os passos que eu havia dado durante o dia, tentei relaxar lendo um livro. Não deu certo. Fui dormir somente depois das duas horas da madrugada, sem me preocupar com o horário que eu levantaria no dia seguinte. Talvez dormir fosse o melhor remédio para minhas angústias.
Meu celular tocou desesperadamente um pouco depois das dez horas da manhã. Tive vontade de atirá-lo na parede. O visor acusava o número da Rafa. Certamente ela tinha feito de propósito para me acordar. De mau humor atendi ao telefone, perguntando:
- Será possível que não se pode mais dormir nesta casa?
Mas a voz de Rafaela me surpreendeu. Algo tinha acontecido.
- Pauline!
Sentei na cama imediatamente. Meus pensamentos tomaram uma única direção. Nando! O que tinha acontecido com ele?
- O que foi, Rafa? – perguntei quase berrando – O que foi?
- A dona Amélia me ligou agora.
Empalideci. Dona Amélia era a vizinha de anos a fio dos nossos pais, amiga íntima da família. Agarrei o celular com toda a força, esquecida momentaneamente do meu amor.
- O que ela queria? Por que ela ligou para você?
- Arrume-se, Paulinha! Vamos ter que ir para casa. Parece que papai sofreu um grave acidente.
Meu chão faltou e eu tonteei. O celular escapou das minhas mãos e caiu no colchão. Ele morreu, pensei eu em pânico. Peguei de volta o aparelho completamente trêmula.
- Acidente? – balbuciei em choque – Mas que acidente?
- Ele caiu de um cavalo – minha irmã explicou rápida – Guto irá nos levar para casa.
- Mas como ele está? – perguntei desesperada, tentando ficar em pé.
- Não sei! – gritou ela nervosamente – Só sei que papai foi removido para o hospital e mamãe está com ele. Fique pronta logo. Já estamos passando aí para buscar você.
Consegui ficar em pé, sentindo-me totalmente abandonada. Meu pai. Ele poderia estar morto naquele momento e eu sequer podia avisar o Nando, a única pessoa que poderia me dar algum tipo de conforto. Totalmente trêmula, coloquei a primeira roupa que enxerguei pela frente e soquei algumas peças dentro da mochila. Lavei o rosto correndo, mesmo assim minha expressão não mudou. Era de puro terror. Dez minutos depois do telefonema, Rafa entrou atabalhoadamente na sala, também pálida. No entanto, ao me ver, ela levou um susto:
- Meu Deus, Paulinha! Você está simplesmente terrível.
- Não é para uma festa que eu estou indo – grunhi.
- E muito menos para um enterro.
E ao dizer isto, ela meu puxou pelo braço, dizendo:
- Vamos de uma vez. O Guto está lá embaixo nos esperando.