sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. FINAL)


Pisquei umas duas vezes para que meus olhos enxergassem direito. Havia um sósia do Nando ao lado dos meus amigos. Aquele cara, com barba por fazer e que vestia uma camiseta igual a que eu tinha dado em um passado recente para meu ex-namorado, olhava-me com uma expressão de assombro e de ceticismo. Jesus, não era possível. Não era o Nando em pessoa que havia ido até lá terminar a surra interrompida. Mas era impossível que aqueles olhos não fossem os dele, ninguém mais me olharia daquela forma no mundo. Só ele.

Tudo isto se passou em três segundos.

Então aconteceu. Minha perturbação foi tão imensa que perdi o equilíbrio. Eu não saltei da ponte. Eu despenquei dela. Quando me dei conta já estava no espaço vazio, o rio aproximando-se perigosamente de mim. Pensei que iria morrer, não sentia a corda elástica ao redor do meu corpo. Caí berrando o nome do Nando, sacudindo pernas e braços, finalmente voltando ao mundo real. Enquanto eu balançava de um lado para o outro, eu me perguntava se o homem que tinha visto não seria uma alucinação de minha mente desvairada. Afinal, como que o Nando poderia ter me encontrado em um lugar tão distante e escondido?

Victor. Só podia ter sido ele. Mas naquele momento eu não conseguia fazer maiores considerações sobre o caso. Meu corpo balançava sem controle, indo de um lado para o outro. Sei que subi e desci algumas vezes, uma sensação de caos total. Eu via o rio passando lá embaixo, pensava no Nando lá em cima. O povo todo devia estar rindo de mim, dos meus berros, do show gratuito que eu estava patrocinando. Eu torci para que não houvesse ninguém filmando aquelas cenas grotescas. Certamente eu seria campeã de audiência no You Tube.

Sem sombra de dúvidas, um enorme vexame.


Depois de uma eternidade, senti que estava sendo içada novamente para o alto da ponte. E agora? Eu teria que enfrentar o Nando e toda a sua ira e não estava preparada para o embate. E jamais estaria. Além disso, minhas pernas e meus braços estavam sem força nenhuma, o que significava que eu teria que ser carregada até o jipe. Sem falar no enjôo... se eu abrisse a boca era capaz de vomitar.

Por que não me deixavam ficar balançando de um lado para o outro pelo resto da minha vida?

Aos poucos fui chegando lá em cima com os olhos semicerrados. Obviamente causei sensação. As pessoas se aglomeravam por ali, certamente achando que eu estava à beira da morte. Quando me dei conta, estava deitada no chão, com vários pés a minha volta. Respirei fundo para não vomitar. Alguém se agachou ao meu lado e tocou no meu rosto.
− Ela está bem. Foi só o susto.

Nando. Abri os olhos devagarzinho e me deparei com os dele. Ficamos nos encarando por alguns segundos e ele acariciou suavemente meus cabelos. Controlei o choro, mas meus olhos se encheram de lágrimas. Bem, pensei, acho que me matar aqui ele não vai.
− Tem algum posto médico por perto?

Aquela voz firme que eu tanto amava ressoou nos meus ouvidos como se fosse música. Meu coração acelerou ainda mais. Lentamente, comecei a sentir meus braços e pernas, o que não significava que eu podia caminhar. Não podia. Ver o Nando ali, ao meu lado, era mais do que eu podia suportar em pé. Ouvi alguém comentar que sim, havia um posto médico improvisado e imediatamente eu saí do chão direto para os braços do Nando. Enterrei meu rosto no peito dele, enquanto atravessávamos aquele círculo de gente que havia se formado em nossa volta. A voz de Victor se fez ouvir:
− Não se preocupe, Fernando. Pauline só está assim porque não contamos para ela que você estava chegando.

Que complô meus amigos me armaram. De qualquer forma, estar sendo levada para o posto médico nos braços do Nando era o paraíso na terra. Eu mantinha meus olhos fechados um pouco pelo enjôo e principalmente porque eu não tinha coragem de encarar meu ex (?) namorado. O que ele estaria pensando daquilo tudo? Depois de tanto tempo sem me ver, Nando me encontra na beira de uma ponte, pronta para o salto. Será que ele pensava que eu estava procurando a morte? E será que não era isto que eu desejava e não podia admitir?
           

Deitaram-me em uma maca dentro de um espaço arranjado para servir de posto médico. Eu mal podia olhar para meu amor, enquanto a médica verificava minha pressão, minha temperatura e as batidas do meu coração. Tudo isso não levou mais que dez minutos. Durante todo esse tempo permaneci deitada, respirando fundo, ansiosa. As mãos dele ora acariciavam meu rosto, ora meus cabelos. Em algum momento, Nando segurou mais forte minhas mãos como se quisesse me tranqüilizar. Eu sei que deveria estar tranqüila, feliz e em paz. Mas eu não sabia o que viria dali para frente. Fernando tinha vindo me buscar? Ou queria saber apenas se eu estava viva para dar a notícia para meus pais?

De repente a médica disse:
− Ela só está um pouco nervosa. É bom que fique alguns minutos de repouso até se sentir em condições de ficar em pé novamente.

E dizendo isto a mulher saiu. Só restamos eu e o Nando dentro do lugar, nós dois à meia luz. Fechei os olhos e fiquei em silêncio, tentando procurar algo consistente para dizer a ele. Mas o nó da minha garganta impedia a articulação de qualquer frase.
− Abra os olhos, Pauline. E olhe para mim.

A voz dele soou horrível. Fui abrindo os olhos bem lentamente, com medo do que eu poderia encontrar. De fato, Nando me encarava como se fosse terminar a surra de cinco meses atrás.
− O que você fez?

Respirei fundo, mas não desviei os olhos dele. Minha vontade de chorar aumentou. Minha esperança de que o Nando tivesse me perdoado se esvaiu quando escutei o seu tom de voz frio. Engoli em seco e tentei me sentar. Fiquei tonta, mas acomodei-me em alguns travesseiros até que o mundo parasse de girar a minha volta. Novamente ele perguntou com seus olhos frios e sem desviar por um segundo dos meus:
− Por que você fez isto?

Puxei minha voz lá do fundo e respondi balbuciando:
− Eu… eu resolvi saltar… porque…
− Por que você fugiu?

Ah, então era isto. O Nando queria saber por que eu tinha desaparecido. Porém, será que era tão difícil saber a resposta?
− Pauline, pelo amor de Deus – murmurou ele, passando as mãos nos cabelos, mostrando uma angústia que eu ainda não conhecia – Por que você fugiu?

Meus olhos se encheram de lágrimas e, para minha surpresa, os dele também.
− Você não tem idéia do que causou. – ele confessou, com o rosto ligeiramente contorcido, o que me cortou o coração - Nem por uma vez você foi capaz de pensar na dor dos seus pais, da sua irmã? – Nando suspirou e completou – Na minha dor?
− Nando, eu… - tentei falar, mas fui interrompida por um gesto.
− Nada justifica isto – e ele aumentou o tom da sua voz – Nada justifica o que você fez. Meu Deus, por meses a fio pensamos que você havia morrido. Paguei detetives, mas nenhum foi capaz de encontrar seu rastro. Ninguém nunca viu você! Houve uma noite em que ligaram para meu celular...

Ele fez uma pausa e me encarou com os olhos marejados de lágrimas. As minhas próprias lágrimas já banhavam meu rosto e eu não fazia a menor questão de enxugá-las. Nando prosseguiu:
− Era a polícia dizendo que haviam encontrado um corpo com as suas características na beira da praia. Na mesma praia em que nos conhecemos.

Levei um choque. Imaginei o terror que ele havia passado. Nando e toda minha família.
− Saí desesperado pela estrada, dirigindo feito um louco. Não deixei que seu pai viesse conosco porque eu tinha medo do que ele pudesse encontrar.
− Você foi… sozinho? – eu até tinha medo de saber a resposta, enquanto uma crise de culpa se jogava em cima do meu colo.
− Meus irmãos foram comigo, pois ficaram com medo que eu me matasse na estrada – Nando fez uma pausa, como se reviver aquele drama fosse demais para ele – Mas quem estava lá era uma pobre infeliz que tinha o cabelo vermelho como o seu, mas possivelmente tinha tomado um porre e entrado no mar. E desde então, Pauline, cada vez que toca meu celular, eu atendo temendo que seja alguém me dizendo que você está morta, que um corpo foi encontrado e que tem semelhança com o seu… Imagine o que seus pais estão sofrendo... Rafaela não sabe mais o que fazer, passa os dias na janela esperando que você dobre a esquina. Não foi justo o que você fez conosco, Pauline. Não foi.

Era quase uma acusação. Então eu também resolvi falar.
− Eu fugi… - comecei, sentindo o choro subir garganta acima – Eu fiz o que fiz porque não pude suportar o fato de ter levado uma surra – podendo até mesmo ter sido morta – pelo único homem que amei.

Falei de uma vez só, antes que a voz e a coragem me faltassem. Nando me olhou surpreso e iria falar alguma coisa, mas eu não deixei.
− Me deixe terminar. Nando – respirei fundo – por você eu daria minha vida. Você sempre soube disto, não soube? Desde que me conheço por gente, eu fui apaixonada por você. Quando nossa família se separou, eu não te esqueci. Pensava em você todos os dias. Por vezes eu me perguntava se era obsessão ou paixão. E quando finalmente eu descobri você no Facebook, meu mundo se abriu.

Ele nunca havia escutado aquela história, o meu lado da história. Com total atenção do Nando, eu prossegui, tentando de forma resumida, mostrar o tamanho do meu amor por ele.
− Eu segui você pelas areias da praia, naquele reveillon. Só fui passar o final de ano lá porque eu soube pelo Facebook onde você estaria. Sei também que você só ficou comigo porque estava de porre. Mas não me importei, Nando, porque eu estava vivendo um sonho incrível. E se eu lhe contasse quem eu era, você me daria um pé na bunda. E – confessei, sem até então ter me dado conta disso – não imaginava que você pudesse gostar de mim um dia.

Parei para enxugar minhas lágrimas enquanto ele, em silêncio, esperava o resto da minha narrativa.
− À medida que nós nos envolvíamos, ficava cada vez mais difícil eu te contar tudo. Mas eu tentei, Nando. Eu juro que tentei.
− Você devia ter me contado – ele disse, atormentado – Isto teria evitado… muitas coisas.

Ficamos em silêncio novamente. Um curto silêncio.
− Como você acha que eu me senti depois de ter tomado aquela surra, Fernando?
− E como você acha que me senti, Pauline? Venho vivendo no inferno desde aquela manhã horrível.
− Sabe por que eu fugi, Nando? Não suportei a idéia de ter levado uma surra de você. Você teria me matado se meu primo e meu tio não o tivessem afastado de mim. Doía no meu peito saber que você me odiava. Para mim é impossível conviver com isto.
− Conviver com o quê?
− Com o fato de você me odiar – respondi quase aos prantos.
− Nunca odiei você.
− Não era o que seus olhos diziam naquele dia – eu contestei, com o coração aos pulos.
− Eu me senti traído. Não encontrei outra maneira para reagir.

E segurando minhas mãos, Nando olhou bem nos meus olhos e disse:
− Desculpe, Pauline. Por favor, diga que me perdoa.

Nem em meus sonhos eu esperei ouvir aquele pedido de desculpas. Era demais para mim. Comecei a chorar, desta vez pra valer. Me joguei nos seus braços, sentindo o cheiro dele, a pele, o calor. Meu Deus, que saudade. Achei que nunca mais veria o Nando novamente e nem escutaria o som da sua voz, a não ser nos meus sonhos e pesadelos. Também senti as lágrimas dele escorrerem pelo meu rosto quando ele pediu, suavemente:
− Volte comigo, Pauline. Venha comigo para casa. Diga que vai ficar comigo para sempre...

Engoli um soluço e respondi, tentando descontrair o ambiente carregado de emoção:
− Só se você jurar que vai casar comigo.
− Eu juro, se você jurar a mesma coisa.
− Eu juro.
− Então eu juro também.

Quando dei por mim, estávamos envolvidos em um longo beijo. Na verdade, acho que nunca trocamos um beijo tão ardente em nossas vidas. Meu cansaço, enjôo e tontura foram esquecidos nos lábios dele. Eu estava tão emocionada que interrompi o beijo para recomeçar a chorar.
− Vamos esquecer isto tudo – murmurou ele no meu ouvido – e começar nossa vida outra vez agora… agora que não existem mais segredos entre nós.
− Sabe como me sinto? – perguntei, segurando o seu rosto bem junto ao meu – Parece que o peso do mundo inteiro foi tirado das minhas costas. Eu… odiava ter que esconder tudo de você, Nando. Naquela vez, lá na praia… lembra? Na Páscoa... – Tive que engolir o choro para poder continuar – Eu tentei contar tudo para você, juro que tentei. Mas meu medo de que você me odiasse foi tão grande que não consegui confessar nada.
− Eu sempre soube que você me escondia alguma coisa. Por vezes achava que você deveria ter algum namorado secreto lá onde seus pais moram... Cheguei a imaginar mesmo que fosse um filho que você escondesse de mim. Perdi as contas de quantas vezes eu ficava observando você dormir – revelou ele, para minha surpresa – e me impressionava com sua expressão de tensão. E dor.
− De dor?
− Você sofria até mesmo quando dormia, Pauline. E me angustiava saber que você não confiava o bastante em mim para me contar o que lhe fazia sofrer tanto.
− Tudo o que eu fiz... fiz por amor – sussurrei no ouvido dele – Nada mais que isto.
− Então volte comigo. Eu não atravessei o Brasil inteiro para deixar você aqui.

Antes que eu respondesse, a porta foi aberta bruscamente. A médica nos olhou e franziu a testa ao nos ver tão juntos.
− Bem, pelo visto a mocinha já está recuperada. Será que vocês podem nos dar licença? Tem outro passando mal aqui.

Ajudada por Nando e ainda com as pernas fracas, saí amparada por ele, sentindo-me tão leve que se me dessem asas sairia voando. Não lembrava da última vez que havia me sentido tão feliz. Então, curiosa, perguntei:
− Foi realmente o Victor que trouxe você para cá, não foi?
Fernando deu uma risada e me puxou mais perto dele.
- O telefone do seu amigo nunca foi configurado para ser confidencial. Daquela vez que você me ligou, pelo prefixo eu percebi que era do Nordeste. Evidente que logo desconfiei que era você. Deixei passar um tempo e telefonei de volta. Victor atendeu a ligação e contou quem ele era, onde você estava e relatou tudo o que se passava. Eu fiquei louco. Acertei algumas pendências que eram urgentes, comprei uma passagem de avião e me mandei para cá. Quando cheguei hoje, o Victor me ligou que vocês estavam vindo para a ponte e que você pretendia se matar saltando de bunggie jump. Eu vim de táxi até aqui e cheguei bem na hora que os instrutores falavam com você, segundos antes do salto. Até agora eu não acredito que você tenha feito aquilo. O que você pretendia, Pauline? Se matar?
− Eu… eu não sei – respondi, ligeiramente envergonhada – Eu só não queria pensar em você. Achei sua voz tão fria no telefone da última vez que liguei... A impressão que tive foi que você me odiava ainda e eu não pude suportar. A dor veio inteira de novo e eu precisava urgentemente me preocupar com alguma coisa que não fosse você – Senti as lágrimas virem com força aos meus olhos – A única coisa que veio a minha mente foi saltar de uma ponte.
− Bem, me parece que você caiu dela – Nando retrucou rindo.
− Que vergonha... mas pelo menos você está aqui. Nada mais importa agora.
− Nada mais – repetiu ele, beijando-me suavemente.

Victor e Fred nos esperavam mais a frente, sorrindo e se cutucando. Quando chegamos mais perto, eles se aproximaram e nos envolveram em um longo abraço. Os dois estavam visivelmente emocionados.
− E você não queria telefonar para ele! – Victor exclamou, fazendo que acertava um tapa na minha testa.
− E você trapaceou! – acusei rindo.
− Quisera Deus que todos os trapaceiros agissem pelo bem como você fez, Victor – falou Nando, para em seguida agradecer – Vou ficar lhe devendo esta, cara.
− Só de ver Pauline sorrindo, isto paga tudo – respondeu ele, olhando para mim – Na verdade, acho que é a primeira vez que vejo você sorrir desde que aportou aqui.
− Deve ser porque estou feliz – eu disse, sentindo que meu sorriso cada vez se alargava mais.

Começamos a nos dirigir lentamente para o jipe. Frederico então comentou:
- Acho que perdemos nossa amiga, Victor. Fernando vai levá-la de nós.

Pela primeira vez me dei conta daquilo.
− Nós iremos voltar outras vezes, não é, Nando? – perguntei ligeiramente ansiosa.
− Na nossa lua de mel, seguramente.

Victor fez uma expressão sonhadora, olhou para o céu e murmurou com a voz melodiosa:
− E eles viveram felizes para sempre... Mas eu ajudei a escrever o final desta linda história de amor.

E então Nando, abraçando-me mais fortemente ainda, profetizou:
− Não é o final, Victor. É apenas o começo de tudo.



quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 70)


            Havia tantas pessoas que eu comecei a ficar tonta. Respirei fundo. Mesmo assim eu não pensava em desistir. Eu precisava saltar. Desejava urgentemente de alguma motivação, de pensamentos diferentes. Qualquer coisa que me levasse para longe do Nando e do seu ódio mortal.
            Quando estávamos bem próximos, Victor olhou para mim com uma expressão de riso e desconfiança. Perguntou:
− Você vai saltar?
− Vou – respondi com a voz fraca.
− O que você quer provar, Pauline? – Victor cruzou os braços e ficou na minha frente, impedindo minha passagem – O que está acontecendo?
− Nada. Eu quero saltar. Qual é o problema?
− Nenhum. Ainda dá tempo para desistir desta palhaçada. Vai pular, então?
− Claro. Você não disse que é seguro? Ninguém morreu até agora. Eu não vou ser a primeira.
− Só temo que você morra de susto – sentenciou Fred.
            Não respondi por que também este era meu medo.
− Está certo. Eu vou falar com o pessoal e inscrever você – disse Victor, finalmente, afastando-se de nós.
            Fiquei parada ao lado de Fred, sentindo-me desamparada. Escutei a voz dele enquanto eu divagava na minha tristeza:
− Você está com dor de barriga?
− O quê? – olhei para ele espantada.
− Pauline, você devia se olhar no espelho. Sua expressão é algo assustador.
− E você queria que eu estivesse como? O homem que eu amo me odeia! Quer que eu faça o quê?
− Qualquer coisa. Menos saltar de bunggie jump – respondeu Fred com sua paciência habitual.
            Ele fez uma pausa e prosseguiu:
− Bem, continuo achando que você está com uma vontade louca de ir ao banheiro.
− Só se for para vomitar – murmurei, sentindo meu estômago começar a se revoltar.
            Tinham passado uns cinco minutos quando Victor retornou apressado. De repente, ele parou a minha frente, pegou meu braço e foi me puxando em direção ao lugar de onde as pessoas estavam saltando. Disse:
− Venha, você é a próxima!
            Empalideci de vez e minhas pernas faltaram. Mesmo assim consegui ficar em pé, sendo segura por Victor e com Fred no nosso encalço.
− Mas já? – perguntei tensa – Recém chegamos! Não há outras pessoas na minha frente?
− Você é a primeira mulher hoje que vai pular. Nenhuma se arriscou até agora. Por isto os organizadores abriram um espaço para você.
            Bem, pensei eu, pelo menos a tortura vai acabar logo. De alguma forma, enjoada e sem sentir as pernas, eu cheguei próximo de onde se saltava. Fui cercada por uns dois caras que começaram a me dar algumas instruções. Tentei escutar alguma coisa, mas meus nervos estavam em frangalhos. Meu enjôo aumentou. Fiquei levemente tonta e achei que fosse desmaiar. Quando respirei fundo, um dos homens perguntou:
− Vai saltar?
            Minha voz saiu firme e forte.
− Vou.
            Então comecei a ver as coisas como se eu não estivesse mais no meu corpo. Eles continuaram a me dar instruções, mas minha cabeça estava longe. Puseram-me um capacete, prenderam as cordas ao redor do meu corpo. Eu tinha uma leve sensação de que voava. Victor e Fred não estavam próximos. Até então eu não tinha tido coragem de olhar para baixo. Era melhor mesmo continuar olhando para cima ou para os lados.
            Aquela sensação estranha de que eu não estava ali permanecia e eu não sabia dizer se era bom ou ruim. Cheguei a me perguntar se seria possível eu algum dia voltar ao mundo... ou será que voaria para sempre? E nesse mundo, o Nando conseguiria um dia me encontrar?
− Está pronta para o salto?
            Olhei para o homem que me perguntou e balancei a cabeça, muito lentamente. Meu Deus, disse para mim mesma, não posso mais voltar agora. Eu era o centro das atenções. Parecia que o mundo inteiro estava com os olhos pregados em mim. Tenho que ir em frente, tenho que ir em frente.
            Eram apenas dois passos para frente que eu tinha que dar. O terceiro era o espaço vazio que me esperava. De alguma forma parei no ponto do salto e arrisquei um olhar para baixo.
            Simplesmente assustador. Água, altura, pânico, enjoo. Tudo junto ao mesmo tempo. Achei que não sairia viva daquela aventura infeliz que eu havia me metido. Por que eu não tinha inventado outra coisa menos imbecil? Teria sido muito mais simples se eu tivesse calçado meus tênis e ido correr na areia da praia até cair exausta no chão. Ou então tomasse uma caixa de calmantes para ter uma morte mais calma e sem emoção. Tudo culpa do Nando.
            Eu estava ali, pronta para pular, mas sem me mover um milímetro. Havia um silêncio em minha volta, todos aguardando que eu saltasse. Muitos já deviam estar se cutucando, dizendo: ela não vai conseguir, ela vai recuar, ela FRACASSOU. Ainda me sentia fora de órbita quando olhei para trás, tentando visualizar Victor e Fred, em busca de um derradeiro apoio moral.
            Custei um pouco a encontrá-los. Eles estavam um pouco mais para a esquerda, a uns dez metros de mim, olhando-me com uma expressão de diversão. Junto deles havia uma terceira pessoa, um homem.
            Era o Nando.