quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 69)


           Era sábado e eu estava de folga. Isto não era bom. Novamente eu precisava me ocupar para não ficar pensando em nada que me perturbasse. Quando encontrei Victor e Fred na cozinha a primeira coisa que eles perguntaram foi:
− Está melhor agora?
            Achei os dois estranhos. Pudera, deviam ter ficado assustados com meu show na noite anterior.
− Mais ou menos – confessei – Eu preciso urgentemente fazer alguma coisa diferente antes que eu me exploda. E o pior de tudo é que estou de folga. Será que sua mãe não vai precisar de mim hoje?
            Eu estava pronta para procurar a minha chefe e implorar por algum tipo de trabalho, mas Victor veio com uma proposta interessante:
− Pensei em algo melhor. Você gosta de bunggie jump?
− Bem, eu… nunca saltei.
− Quer ir com a gente? E saltar? Tem uma ponte a mais ou menos uns cinqüenta quilômetros daqui. Parece que hoje os aficionados do esporte vão se reunir lá. Eu e o Fred vamos ver como é. Pensamos em levar você.
            Era exatamente daquilo que eu precisava. Além do meu horror por água, eu sempre detestei altura. Minha mente precisava se distrair com algo que me atemorizasse para que Nando passasse para um segundo plano.
− Eu quero ir. Vamos! E eu vou saltar.
            Fred suspirou:
− Cara, esta garota é louca.
            Victor me encarou surpreso:
− Ei, eu estava apenas brincando. Nós só vamos olhar. É muito divertido.
− Bem, eu vou saltar – assegurei firme com o meu propósito de esquecer Fernando – Acho que será uma experiência inesquecível.
            Silêncio.
− Você tem certeza?
− Absoluta – eu garanti – A que horas nós vamos sair?


            Sentei no banco detrás do jipe. Fred e eu aguardávamos Victor para irmos para a ponte. Reparei que meu amigo estava pendurado no celular, sem parecer estar com muita pressa. Um pouco aborrecida eu perguntei:
− Com quem seu namorado conversa tanto? Faz uns dez minutos que ele está falando sem parar!
− Não faço a menor idéia – declarou Fred levantando o som do rádio – O que você acha desta música?
− Odeio reggae! – quase gritei emburrada. Quando minha paciência estourou, eu fiquei em pé no jipe e chamei – Vic! Ei, Vic! Vamos de uma vez!
            Eu estava impaciente. Fazia um esforço incrível para não pensar no Nando e só me preocupar com minha próxima aventura. Por enquanto eu estava me sentindo bem segura do que iria fazer.
            Victor fez um sinal de que não iria demorar e uns dois minutos depois desligou finalmente o celular. Calmamente ele veio na direção do carro, deu a partida no motor e me olhou sorridente:
− Pronta para se matar?
− Não vou me matar – respondi ainda emburrada.
− Não é o que parece. Bem, vamos lá.
            O trajeto até a ponte foi bem divertido. A música corria solta e em volume alto. Eu cantei músicas que não gostava e nem conhecia a letra para espantar a tristeza que tentava tomar conta do meu peito. E eu lutei. Durante aqueles cinqüenta quilômetros percorridos eu fiz o possível para sentir um pouco de vida dentro de mim. Falei feito um papagaio, cantei, gritei, até mesmo dei gargalhadas. E eu nem sei do que ri. Na verdade, eu me sentia como se estivesse na beira de um precipício e necessitava, desesperadamente, segurar-me em alguma coisa para não despencar em um buraco sem fundo.
            Eu estava distraída cantando em inglês uma música que eu nunca havia escutado na vida, quando Fred se virou apontando para frente:
− Olha lá, Pauline. A ponte.
            A ponte. Meus olhos se arregalaram quando eu visualizei a famosa ponte de onde eu pretendia saltar. Um rio passava por baixo, o que não me adiantaria em nada caso a corda elástica se arrebentasse. Havia pessoas lá, eu podia ver. E naquele momento alguém se jogou para delírio dos demais. Fiquei arrepiada. Pela primeira vez uma dúvida surgiu na minha mente.
− E então? – perguntou Victor – Disposta?
- Claro – respondi tentando manter minha convicção – 100% disposta.
            Minha disposição havia diminuído para 50% e a perspectiva é que ela desabasse mais ainda. Respirei fundo para não deixar o medo vir. Entre pensar no Nando e enfrentar a ponte, eu ficaria sempre com a segunda opção.
            Infelizmente o jipe percorreu a distância mais rápido do que eu gostaria. Victor custou a achar um lugar bom para estacionar o carro e acabamos tendo que caminhar um pouco mais até chegar ao local. E à medida que eu me aproximava, minhas pernas tremiam, minhas mãos suavam e eu me sentia ficando pálida. A única coisa que eu pedia era para não desmaiar.

domingo, 23 de dezembro de 2012

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 68)


Tomei um banho e fui procurar o Victor. Ele e Fred estavam sentados na varanda da pousada, trocando confidências. Geralmente eu não costumava interromper aqueles momentos íntimos entre os dois, mas achei sinceramente que eles não iriam se importar.
− Victor...
           
Acho que dei um susto nos dois. Meu amigo se voltou rapidamente e quando se deparou com minha expressão perguntou tenso:
− O que houve com você?
− Por quê? – perguntei igualmente tensa.
− Você está horrível – declarou Fred.
− Eu… bem… Victor, você pode me emprestar seu celular novamente?

Ele me encarou e foi tirando o celular bem devagar do bolso das calças. Estendi a mão para pegá-lo, porém antes de me entregar, Victor indagou:
− Vai falar com quem?
− Com ninguém. Só quero escutar a voz.
           
Victor revirou os olhos, como se sentisse exasperado.
− Você quem sabe. Se for o máximo que consegue fazer...

Nem respondi. Agradeci rapidamente e me afastei alguns metros em direção à praia. Era noite. Não havia ninguém próximo. Somente o som das ondas e o meu sofrimento me cercavam.

Foram três tentativas até que eu conseguisse acertar o número do Nando. E desta vez ele atendeu rápido, antes da segunda chamada.
− Alô?

A voz dele estava diferente. A impressão que tive era que ele estava esperando por aquela ligação.

Tranquei a respiração e emudeci. Escutei a respiração dele do outro lado. Ele aguardava uma resposta que não veio. Uns dez segundos de silêncio e Nando tentou novamente:
− Quem está aí?

Desta vez cheguei a abrir a boca para falar. Só faltou a voz. Agarrei com força o celular e deixei escapar um soluço. E ele escutou.
− Onde você está?

Pronto, ele descobriu que era eu. Desliguei o telefone na hora e voltei correndo para a varanda. As lágrimas escorriam pelo meu rosto quando devolvi o celular para Victor.
− O que você fez agora? – perguntou meu amigo, sem saber se me apoiava ou se ria da situação.
− Eu chorei no telefone! – respondi quase histérica – E ele reconheceu meu soluço.

Os dois desabaram a rir. Fiquei parada na frente deles, sem saber o que fazer.
− Isto não tem graça nenhuma – murmurei.
− Tudo bem – disse Victor, tentando se controlar – Me conte o que houve.
− Bem, eu… - minhas mãos se retorciam nervosas – Ele atendeu logo da primeira vez. 
Acho que ele sabia que era eu de novo. Não respondi e o Nando perguntou quem estava do outro lado da linha. Então eu solucei! Victor, ele reconheceu meu soluço! Que ridículo!
− E depois? – perguntou Victor curioso – O que seu namorado disse?
− Perguntou onde eu estava.
− E você?
− Eu desliguei.

Victor e Fred se entreolharam com uma expressão de desânimo.
− Inacreditável – sussurrou Victor.
− Eu… eu não senti amor na voz dele – expliquei, sentindo a garganta apertar. Sim, era isto. Total falta de amor.
− Pode ter sido impressão sua – disse Fred calmamente.
− Não foi – eu funguei, enxugando os olhos. Meu mundo estava desabando novamente em cima de mim.

Victor me olhava ainda com uma expressão de riso.
− Ele perguntou onde você estava? Não foi isto?
− Foi.
− E você não acha que isto é uma prova de amor?
- Não. Você não escutou o tom de voz dele – respondi segurando o choro – Não havia carinho, não havia amor, não havia nada. O Nando está com raiva de mim até hoje. Ele não foi capaz de superar o ódio que sente de mim – Minha voz começou a ficar alta, perigosamente alta e histérica.
− Pauline, você não teve tempo de escutar direito...
− Não, Victor – pedi sentindo-me derrotada – O Nando quer saber onde estou apenas para terminar a surra e me matar de vez!

Saí da varanda e fui para meu quarto deixando os meus dois amigos parados na varanda, mudos. Talvez estivessem surpresos com meu ataque de histeria e felizmente não havia nenhum hóspede por perto para testemunhar meu surto. Tomei um banho rápido e chorei tanto que fui dormir com uma enorme enxaqueca. Para meu próprio espanto, dormi feito uma pedra. Quando acordei, o sol entrava pela minha janela. Minha cabeça não doía mais. Meu coração, sim. Como eu poderia viver sabendo que o homem que eu amava ainda me odiava?

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 67)


Naquela noite nada aconteceu. Vic saiu com Fred e eu dei graças a todos os santos. Porém, no outro dia pela manhã eu me acordei angustiada. Sonhei com Nando, um sonho muito real, as imagens eram nítidas, os diálogos verossímeis. Ele me pedia que eu desse notícias, pois a falta que sentia de mim era enorme.

Chorei alguns minutos antes de finalmente me levantar da cama. Eu pude sentir o toque das mãos dele no meu rosto, queimando minha pele. E havia sido apenas um sonho! Lavei o rosto várias vezes para espantar meus olhos vermelhos. Quando cheguei na cozinha dei de cara com meu amigo. Ele preparava o café e me deu uma olhada de soslaio. Perguntou:
− Você está com sono ou chorou?

Victor tinha a irritante mania de fazer perguntas embaraçosas. Sem jeito respondi:
− Chorei.
− Por causa dele?
− Por quem mais seria?
− Por mim.
Tive que rir.
− Tudo bem – ele disse – Sei que não sou tão importante assim na sua vida.
− Pare de dizer besteiras. Você entendeu – fiz uma pausa e emendei – Eu sonhei com o Nando.
− Como foi?

Contei com toda riqueza de detalhes e acabei chorando de novo. Sem se deixar levar pelas minhas lágrimas, Victor disse:
− Se quer saber, não estou com pena de você. Pauline, se você pode ter esse homem de volta, por que não faz alguma coisa?
− O quê? Eu apanhei dele... Nando me odeia.
− Vamos ligar para ele. Escute a voz do Fernando. Caso se sinta encorajada, diga que é você.

Pela primeira vez não contestei aquela ideia maluca. Mas mesmo assim meu coração se acelerou com aquela possibilidade.
− Escute, Vic... Eu tenho medo que ele tenha alguém.
− Isto é algo que você terá que enfrentar algum dia.
− Mas eu pensei em algo diferente.
− No quê?
− Ele sempre sai para almoçar ao meio dia. Fica aproximadamente duas horas fora. Se você ligasse para o banco em que Nando trabalha, podia sondar com a secretaria se ele tem alguém.
− Alguém… no caso, uma mulher?
− Claro. Se o Nando estiver namorando, eu desisto. Fico aqui, seguindo minha triste vida.

Victor me encarou como se eu fosse uma retardada mental.
− Se eu entendi direito, você quer que eu ligue para a secretária do seu ex-namorado e pergunte se ele está namorando?
− Em suma é isto. Mas eu confio nos seus talentos para desenvolver uma história convincente e arrancar qualquer coisa da secretária.

Ele fitou meus olhos ansiosos. Pelo menos era assim que eu me sentia. Ele sorriu e concordou:
− Tudo bem. Tente dar uma escapada por volta das 12h30min. Será que é um bom horário?
− Acho que sim – respondi nervosamente.
− Então está certo – ele retrucou espreguiçando-se – Vou tomar meu suco e pegar umas ondas. Volto um pouco antes do meio dia, está bem?

O resto da manhã eu trabalhei sentindo meu coração pular dentro do peito. Tentei dar o máximo de mim em cada coisa que eu fazia para não pensar nos próximos acontecimentos. Simplesmente eu estava em pânico.

Encontrei-me com Victor no escritório da pousada. Com as mãos geladas, entreguei o número de um dos telefones do gabinete do Nando para meu amigo.
− Este aqui não tem problema. O telefone não tem identificador de chamadas. A mulher nunca vai saber que a ligação é interestadual.
− Pelo meu sotaque ela vai saber.
− Mas a secretária nem vai se tocar! Ligue de uma vez, Vic! Esta angústia está acabando comigo!

Muito calmamente, Victor discou os números mostrando-se muito confiante. No viva-voz eu pude escutar tudo, sentindo o suco que eu tinha tomado às sete horas da manhã subindo garganta acima.
Depois de duas chamadas a secretária atendeu. Eu reconheceria aquela voz antipática até no inferno:
− Assessoria Jurídica, gabinete do Dr. Fernando, boa tarde.
Sem pestanejar e empoando a voz, Victor começou sua atuação:
− Boa tarde, eu gostaria de falar com o senhor Fernando.
− O doutor Fernando está no almoço. Quem deseja, por gentileza?
− Meu nome é Arthur, sou agente de viagens. Preciso confirmar a viagem do senhor Fernando para o Panamá na próxima segunda-feira.
− Viagem? – perguntou ela estranhando aquela conversa.

Eu escutava a tudo, estática.

− Exatamente. Gostaria de acertar alguns pequenos detalhes com o senhor Fernando e com a sua esposa relativos à viagem. A que horas ele retorna, por gentileza?

Meu Deus, pensei, branca. Agora ela vai abrir a boca e confirmar que o Nando casou.
− Eu acho que o senhor ligou para o número errado.
− Acredito que não, senhora. O senhor Fernando procurou nossa agência de turismo e comprou um pacote para o Panamá para desfrutar uma segunda lua-de-mel com sua esposa.
− É um engano – retrucou a mulher secamente – O doutor Fernando não tem férias marcadas, não é casado com ninguém e não tem qualquer interesse em conhecer o Panamá.

Vibrei como um torcedor que vê seu time ser campeão.

− Este não é o telefone do senhor Fernando Ricardo?
− Não, não é.
− Então realmente cometi um engano terrível. Boa tarde, senhora.

E Victor desligou o telefone. Ambos começamos a rir e eu desabei no sofá, aliviada.

− Só você mesmo para ter uma ideia assim. Puxa, então ele não casou. No máximo, deve ter alguma ficante.
− Na minha opinião você foi a última mulher dele.
− Quem me dera…
− E então? Vamos tentar o celular dele agora?

Empalideci.

− Não. Deixe que eu me recupere desta ligação. Por favor. Por favor, Vic. Victor, eu não quero que você faça isto!

Tarde demais. Com o seu aparelho em punho, Victor discou o número do celular do Nando, que eu havia lhe passado minutos antes. Em pânico, escutei, também pelo viva-voz, o celular tocar mais ou menos quatro vezes. Então o Nando atendeu:
− Alô?
Olhei para Victor apavorada. Escutar a voz do Nando depois de meses era algo surreal.

Nando fez uma pausa do outro lado esperando alguma resposta. Um pouco irritado ele insistiu:
− Alô? Com quem quer falar?

Victor fez um sinal para que eu dissesse qualquer coisa. Mas mesmo que eu quisesse, não tinha condições. Minha garganta se fechou na desesperada tentativa que eu fazia para não me debulhar em lágrimas.

A pausa foi maior desta vez. Quando Nando falou novamente, a voz dele já estava em outro tom:
− Será que eu posso ajudar você?

Imediatamente eu desliguei o celular, com as lágrimas deslizando pelo rosto. Encarei Victor e balbuciei:
− Ele sabe que fui eu. E agora?
− E agora? Que ótimo. Assim ele sabe que você não morreu e está querendo fazer contato. Você não tem ideia o quanto seu amor vai esperar ansiosamente pela próxima ligação.
− Eu não vou fazer isto!
− E por que não?
− Ele não me ama.
− Não lhe entendo. Pauline, você fez tudo para conquistar esse homem. Esperou por anos para tê-lo ao seu lado. E então você foge como se houvesse matado alguém e...
− Vic, ele se apaixonou por mim porque não sabia quem eu era. Quando descobriu só não me matou porque o pai e o irmão impediram.
− Só que agora ele sabe quem é você. E não deixou de lhe amar, eu tenho certeza.

Mesmo assim eu não me convenci com as palavras dele. Comecei a sentir um vazio dentro do peito e um arrependimento terrível de ter ligado para o Nando e escutado sua voz. Toda a minha depressão parecia voltar em ondas.

− Ei, vai se entregar agora?

Lutei para segurar minhas lágrimas e as engoli com certo esforço. Mas eu estava me sentindo muito mal.

− Não sei se terei condições de trabalhar assim. Sua mãe quer que eu fique na recepção hoje.
− Tudo bem, eu fico com você. Um dia vamos dar risada disto tudo.

Fiquei a tarde toda na recepção e não foi de todo ruim. O telefone tocava a todo instante, pessoas chegavam, saíam e consegui me concentrar no serviço, deixando a tristeza escondida em algum ponto do meu coração. Quando fui liberada por volta das sete horas da noite, eu podia escutar a voz do Nando reverberando no meu cérebro.

Com uma terrível dor de cabeça, eu não quis nem jantar. Fui direto para a cama, sendo ladeada por Victor e Fred. Vendo a expressão do meu amigo, achei que ele se sentia um pouco culpado por eu me encontrar naquela situação. De qualquer forma, eu dormi em menos de dez minutos. Meu sono foi pesado e sem sonhos até o horário próximo de me levantar. Então tive um pesadelo daqueles de arrasar o coração de qualquer mortal. Sonhei que eu havia ficado frente a frente com o Nando e ele simplesmente passara reto por mim, sem me cumprimentar, ignorando-me totalmente. Acordei-me em seguida sentindo aquele vazio aterrador, e desatei a chorar convulsivamente por uns quinze minutos. Ao cabo deste tempo, levantei-me e me enfiei debaixo do chuveiro, esperando que a água fria levasse embora a minha cara de vítima. Pelo menos a dor de cabeça havia passado, mas eu não sentia a menor vontade de fazer coisa alguma.

Encontrei com o Victor na cozinha lavando sua xícara. Ele perguntou:
− Dormiu bem? Fiquei preocupado com você.
Fiz um gesto de que estava tudo bem. Respondi:

− Meu ex-namorado me causa alguns achaques… Não poderia ser diferente. Dormi bem até agora de manhã, mas agora a pouco tive um pesadelo com ele.
- Como foi?
- Sonhei que nos encontramos em algum lugar e simplesmente fui ignorada. Horrível, não? Não sei o que é pior... Ser absolutamente nada para o Nando ou levar uma surra dele.

Victor riu.

− Não seja dramática.
− Não estou sendo dramática! – protestei – Estes são os fatos. Uma ameba significa mais para o Nando do que eu. Puxa, eu seria tão feliz se pudesse esquecê-lo! Por que não aparece outro cara na minha vida?
− Porque a história de vocês ainda não terminou. Eu já não disse isto antes?
− Não me venha com esta de novo. Terminou sim. E com aquele enorme barraco...
− Ei! Por que não liga para ele de novo?
− Porque não quero me afundar mais ainda na minha depressão.
− Bem, você quem sabe – disse ele olhando para o relógio – Estou atrasado para o meu curso. Cuide-se. Se precisar do celular, me avise.
− Não vou precisar – retruquei emburrada, enquanto ele me beijava a testa.

Passei o resto do dia trabalhando como uma condenada. Eu precisava daquilo. Precisava me distrair, me ocupar, ver outras pessoas, pensar coisas diferentes. Mesmo assim, quando meu expediente terminou, senti-me terrivelmente sozinha. Arrastei-me até o quarto arrasada. De repente me deu uma vontade incrível de escutar a voz dele novamente. Só mais uma vez. Uma vez só. A última vez. Depois disto eu me fecharia dentro de mim, tentaria partir para outra. Fiquei fazendo mil promessas, procurando desculpas para escutar o som da voz do Nando. E eu sabia que era tudo mentira, que meu amor jamais acabaria, pelo resto da vida eu levaria a sombra daquele amor escondido dentro da minha alma. Tudo o que eu fiz, eu fiz por amor. Mas ele jamais saberia do tamanho do meu sentimento. E nem queria saber.

sábado, 15 de dezembro de 2012

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 66)


− Satisfeito? É esta a minha história.

Eu estava sentada na beira da praia, na areia, ao lado de um amigo meu. Minha saga longe da minha família e de Nando já fazia cinco meses. Cinco longos meses de saudade e silêncio total da minha parte.
− Incrível – murmurou ele, encostando o rosto no meu ombro – Mas acho que esta história ainda não terminou.

Olhei para Victor, meu amigo desde que eu chegara a Natal. Ele era filho da dona da pousada onde de hóspede rapidamente passei a funcionária. Lá eu fazia de tudo. E Victor se tornou meu fiel companheiro e confidente praticamente desde a primeira semana.

Victor era um rapaz de vinte e poucos anos. Alto, magro, adorava festas e tentava desesperadamente me trazer de volta à vida. Logo fiquei amiga dele e do seu namorado. Fazíamos uma turma estranha. Era comum eu sair com eles. Frequentava, quando meu trabalho permitia, lugares interessantes. Victor e Fred bem que tentaram fazer com que eu me interessasse por outros homens. Não deu certo. Minha cabeça, meus pensamentos, jamais abandonavam o Nando. O fim do nosso relacionamento era algo sofrido mesmo depois daqueles meses. Victor pressentiu que minha tristeza era causada por um coração partido e, sutilmente, muitas vezes, tentou fazer com que eu revelasse o que tanto me torturava. Porém, se pensar no Nando já era doloroso, imagina falar sobre ele? Era demais. Não sabia se suportaria.

Mas naquela noite eu subitamente me senti disposta a falar. Victor tocou no assunto, eu desviei, ele chamou de volta e eu resolvi contar alguma coisa. Muito pouca coisa. De repente eu estava revelando tudo, descontroladamente. Não sei por quanto tempo falei. Victor escutou tudo atentamente, sem me interromper. Algumas vezes exclamava alguma coisa, surpreso – positiva ou negativamente – e no final declarou que a minha história não havia acabado ainda. Achei surpreendente.
− Já pensou – perguntou-me ele – no tumulto que você está causando na sua família? Eu digo em toda a sua família. E isto inclui seus pais, sua irmã, seu namorado que é também seu primo e os seus tios... Você provocou uma revolução.

Pus as mãos na cabeça, quase em pânico.
− Por favor, Vic, não me faça lembrar isso.
− Eles devem estar em pânico, apavorados, desesperados! Imagine, não tem notícias de você há cinco meses! Devem achar que você está morta!
− Mas não estou – me defendi freneticamente – E eles saberiam se eu estivesse.
− Saberiam de que jeito? – ele perguntou cético.
− Notícia ruim chega rápido.
− Ah, não venha com esta, Pauline! Você muito bem podia ter sido estuprada e assassinada – não necessariamente nesta ordem. Você tem olhado seu mail?
− Encerrei a conta.
− E o Facebook?
− Nunca mais… não tenho coragem. Se eu entrar na minha conta, vou me sentir tentada a entrar no perfil dele... E eu posso descobrir coisas que me machucam.
− Tipo... se ele tem uma namorada?
− Exato. O Nando pode até ter voltado para a ex. Eu não preciso saber destas coisas, Vic! Eu vim para cá para poder esquecê-lo, tentar uma nova vida, tirar da minha mente que ele me odeia a ponto de me dar uma surra.
− A surra que ele lhe deu… Nossa, não existe nenhuma prova maior de amor do que esta.

Olhei para ele sem poder acreditar no que ouvia.
− É que você não esteve lá para assistir ao quebra pau. Os olhos dele, Vic, foram a pior coisa que já vi na minha vida! Eles faiscavam ódio! Durante semanas, logo que vim para cá, toda vez que fechava meus olhos, eu enxergava os dele. Eu não merecia isto, Vic. Eu não merecia o ódio do Nando. Mas acho que a culpa foi minha… eu não soube conduzir a situação. Eu deveria ter falado desde o início sobre quem eu sou e…
− Agora não adianta mais – interrompeu Vic, levantando-se e me puxando pela mão – O que passou, passou. Imagine o que ele deve ter sentido quando caiu em si e se deu conta que havia surrado a mulher que amava, chegando mesmo a quase quebrar o seu pulso? Ele, o seu querido amor, deve estar em crise de consciência até hoje.

Meu Deus, como eu gostaria desesperadamente acreditar naquilo em que meu amigo afirmava tão convicto. Entretanto, eu sabia que as coisas não haviam sido assim. Nando jamais me perdoaria. Eu havia traído sua confiança e todo seu amor. Se ele quisesse, já teria me encontrado.
− Não, Victor. Não tenho esperanças. A única coisa que eu quero é ficar aqui, quietinha, em paz.

Naquela noite não tocamos mais no assunto e nem na noite seguinte. O fato de eu ter relembrado a minha história com o Nando fez com que todos os nossos momentos – felizes e infelizes – voltassem com força total. Cheguei mesmo a ficar um pouco deprimida. Fiz tanta força para tentar esconder em algum lugar da minha mente minha vida com o Nando... E agora tudo tinha ido por água abaixo em um piscar de olhos. De novo. Pelo menos eu estava longe. Mas, mesmo assim, eu comecei a me perguntar, incansavelmente: será que ele estava sentindo minha falta? Quem era a dona do seu coração agora? Eu esperava, sinceramente, que meus pais estivessem bem e que compreendessem os motivos que me levaram a tomar aquela atitude tão dramática.

Entretanto, Victor voltou à carga dois dias depois. Após o almoço, eu resolvi me espreguiçar na rede. Na verdade, eu não podia estar fazendo aquilo. Era meu horário de serviço, mas eu estava tão cansada... Meu sono havia sido repleto de sonhos com ele. Ele, Nando. Sonhos desconexos, que não tinham nem começo e nem fim. Eu perdi o sono às quatro da manhã e fiquei com os olhos arregalados até a hora de levantar.
− E então? Vamos tomar uma atitude?

Entreabri os olhos e me deparei com Victor, ao meu lado, na rede. Balbuciei:
− Tudo bem, eu já vou levantar.
− Não estou falando de serviço. Estou falando do tal do Fernando.
Sentei-me tão rapidamente na rede que ela virou e eu desabei no chão. Às gargalhadas, Victor me juntou enquanto eu me recompunha da minha vergonha.
− Esqueça – gemi vermelha de raiva e embaraço.
− Não – respondeu ele com firmeza – Você não está sendo justa com você mesma.
− O que você quer, Vic? – eu pergunte, quase chorando – Não quero levantar esta história de novo.

Ele me mostrou o celular.
− O que é isto?
− Um celular.
− E aí? – eu quase berrei.
− Vamos ligar pra ele?

Tentei arrancar o celular dele sem sucesso.
− Não! Vic, nós não iremos fazer isto.
− Você está com saudade dele, não está?
Fiquei muda.
− Está ou não?
− Claro que sim – respondi emburrada.
− Ligue para ele.
− Esqueci o número.
− Impossível. Você sabe até o CPF dele.
− Vic, não vou ligar. Quer que eu diga o quê?
− Que você o ama.
− Não.
− Tem certeza?
− Absoluta.
− Bem, e quem sabe escutar a voz dele? Só a voz?

Fiquei tentada por cinco longos segundos, mas respondi logo:
− Não. Vou sofrer. E além do mais, ele vai ver que é um número estranho, com código de área diferente. Vai saber que sou eu.
− E isto não é interessante? – insistiu Victor.
− Seria, se ele me amasse.
− Não vai saber... Eu configurei meu celular para que ninguém saiba que sou eu quem está ligando.
− Quer dizer que no visor do celular dele vai aparecer a mensagem “número confidencial” ou algo do tipo?
− Exato.
Titubeei de novo.
− Não, Vic. É melhor não. Vou sofrer.
− Está certo. Mas pense nisto. Eu sei que você vai pensar.

Fui fazer minhas coisas, realmente sem tirar a proposta de Victor da minha cabeça. Que mal faria escutar a voz dele? Um segundo ou dois e pronto. Eu desligaria. O Nando não se daria conta que era eu.

E se fosse pior? Se a saudade aumentasse?

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 65)


Gentilmente, ele disse:
− Vou levar você até a clínica de um amigo meu, está bem? É melhor ver seu pulso. Acho que está quebrado.
Balbuciei alguma coisa, só enxergando lágrimas na minha frente.
− Depois, se você quiser, eu posso levá-la até uma delegacia de polícia para prestar queixa contra meu irmão.

Consegui falar, aos trancos e barrancos:
− Eu só fiquei com ele… este tempo todo por que… eu o amava… Porque eu o amo.
Funguei limpando meus lábios machucados com a manga do casaco.
− Ele tem razão… em se ressentir comigo. Mas por que Nando me bateu? Por quê? Ele estava disposto a… a me matar.

Ter apanhado do homem a quem eu daria minha vida era algo inaceitável para mim. Nando estava tão surtado que poderia bem ter me matado. Aquilo tinha sido a pá de cal. Minha vida com ele havia sido reduzida a uma surra covarde.
− Ele bateu em você daquele jeito porque a ama.
− Se ele me amasse – solucei – não teria encostado o dedo em mim.
− Paulinha, você já ouviu alguma vez aquela frase “quem ama não mata”? Pois bem, quem ama pode matar sim.

Que ironia do destino eu ficar tanto tempo procurando pelo Nando e ainda ser morta por ele... Andamos em silêncio por algum tempo e eu sentia que minha vida havia passado por um terremoto da mais alta magnitude. Agradeci aos céus por meu primo estar me ajudando e quando estávamos próximos da clínica ele perguntou:
− Você quer chamar alguém?
− Minha irmã – balbuciei.
− Rafaela? Dê-me o número dela.

Ele próprio fez a ligação e eu pude escutar os berros assustados da minha irmã do outro lado. Quando chegamos à clínica fui direto para uma sala de exames. Meu pulso não chegava a estar quebrado, mas a dor era grande. Uma hora depois, com meu braço engessado, deparei-me com Rafa e Ricardo na recepção, conversando animadamente. Pareciam velhos amigos. Assim que me viu, Rafaela veio correndo ao meu encontro e me abraçou.
− Puxa, mas que barraco, hein? – murmurou ela.
Nem respondi, abalada. Meu primo se aproximou e perguntou:
− Tudo bem? Posso levar vocês para casa.
Rafa respondeu:
− O Guto está de carro.
Olhei para meu primo e disse:
− Muito obrigada pela sua ajuda. Eu não teria conseguido sair de lá senão fosse você.
− Não se preocupe – sorriu ele e com uma dor no coração, constatei que o sorriso dele era igual ao do Nando – Esqueça.

Fizeram-se alguns segundos de silêncio e então ele comentou:
− Apesar das circunstâncias, foi bom ter visto vocês novamente.
− É verdade – concordou minha irmã – Lamento mesmo que tenha sido desta forma tão… tão triste.
− Bem, tenho que ir agora acalmar os ânimos do lado de lá – retrucou Ricardo sorrindo de novo – Cuide-se, Paulinha.
Ele se virou e começou a se afastar. Não me contive e o chamei:
− Ricardo!
Meu primo voltou-se para nós outra vez e como eu já não tinha nada mais a perder, perguntei:
− Naquela noite, lá no Caribbean…
− Sim – confirmou Ricardo – Eu soube que era você no primeiro segundo.

Fiquei estática. Nando tinha sido o único da família – sem contar Maurício que mal me conheceu – que não foi capaz de me reconhecer. Só uma explicação astral para esclarecer isto.
Quando entramos no carro Rafaela desabafou:
− Este seu ex-namorado é mesmo um panaca. Só ele não descobriu que você é você.
− De certo modo estou um pouco aliviada – sussurrei.
− Agora é tocar para frente – falou Guto tentando me dar um apoio moral.
− Mas parece também que vou explodir.

Rafaela, que ía sentada no banco da frente, olhou para trás com uma expressão preocupada:
− Vamos virar a página, Paulinha? Sua aventura acabou. Este Fernando não merece você. Olhe o que ele lhe causou.
− Eu devia ter contado desde o início.
− Mas não contou e as coisas acabaram assim. Você procurou este desfecho. Escreva outra história para sua vida, Pauline.
Era muito fácil falar. Ainda no carro tentaram me dar um remédio para a dor, mas eu não quis tomar. Eu queria sentir dor, a dor física. Precisava urgentemente que alguma coisa suplantasse a dor que eu trazia no coração e que, naquele momento, parecia que iria durar para sempre.

Chegamos em casa e eu me enfiei no quarto. Antes implorei para que Rafa não comentasse nada com nossos pais. Seria mais um motivo de estresse. Deitei-me na cama devastada. O dia tinha chegado. O dia da verdade. Nunca imaginei que eu levaria uma surra. Pensei mil coisas. Gritos, berros, separação. Mas surra? Nunca. Ele bem que poderia ter me matado tamanha a raiva que sentia de mim.

Comecei a chorar abraçada no meu travesseiro. A raiva dele era ódio, ódio puro. Nando me odiava tanto a ponto de me bater. Me acusou de coisas horríveis. E a dor era pior porque certamente jamais voltaríamos a ficar juntos novamente. Eu tinha sido comparada ao meu pai e na concepção do Nando, ele era o próprio diabo.

Só fui comer alguma coisa quando anoiteceu. Aquela altura eu já havia traçado alguns planos. Empurrei um sanduíche goela abaixo, pensando nos meus próximos passos. Meu pulso doía e aquilo não era nada perto do que eu sentia. Mesmo assim eu não parava de pensar nele e no tamanho do ódio que Nando sentia por mim. Eu jamais poderia conviver com aquilo, eu não aceitava o que tinha me acontecido. Não poderia suportar um dia cruzar com o Nando e me deparar com o ódio no seu olhar. Meu coração sangrava. Eu não queria mais ficar no apartamento, na cidade, no mundo inteiro. Rezei para ser abduzida e ir de disco voador para um sistema solar bem longe do nosso.

Como minhas preces não foram atendidas e eu não fui abduzida, só me restou juntar algumas poucas peças de roupa, um dinheiro que eu tinha juntado e sair, fugida, de madrugada. Fui para a rodoviária. Meus olhos estavam secos e ardidos de tanto chorar. Entrei em um ônibus que ía para o Nordeste, lugar onde eu nunca havia estado até então. Entretanto, eu não tinha medo de mais nada. O pior já acontecera. Eu estava prestes a me aventurar em um mundo novo, na desesperada tentativa de esquecer que Nando me odiava. Não preciso dizer que foi tudo em vão. Eu não o esqueci. E meu sofrimento, mesmo com a distância, aumentava a cada dia.



domingo, 9 de dezembro de 2012

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 64)


A semana fatídica começou com uma segunda-feira chuvosa e fria, péssimo clima para alguém depressiva como eu. A única coisa que me salvava era o meu trabalho, que me distraía e ocupava. Nos raros momentos em que eu ficava sem ter absolutamente nada para fazer, meus pensamentos voavam em direção ao Nando. Isso era inevitável e muito dolorido. Por uns dois dias fiz hora extra na agência porque era insuportável voltar para casa à noite. Pelo menos Rafaela estava de bem comigo. Sabendo do meu terrível estado de ânimo, quem se mudou para lá foi Guto e assim ficaram os dois me fazendo companhia. E eles se esforçavam demais para me animar… sem sucesso algum.

Apesar de tudo, esperei por todas as ligações possíveis do Nando. Entrei direto no Facebook dele para conseguir pegar alguma coisa nova. Mas nada acontecia. Desesperada que estava à medida que a semana passava e o silêncio permanecia, enviei uma mensagem de celular a ele pedindo desculpas. Não houve retorno. E por mais que eu soubesse que a minha decisão de provocar o rompimento havia sido correta, meu coração ordenava que eu tentasse voltar para ele.

Ao mesmo tempo eu pensava muito nas coisas que Rafaela tinha dito. Tomar minha vida de volta. Ou quem sabe fazer algo diferente em outro lugar, simplesmente sumir. Aliás, a ideia de sumir era cada vez mais recorrente e eu fantasiava com esta possibilidade. Se eu sumisse da face da terra, será que o Nando sentiria minha falta? Melhor, será que ele me procuraria? Nossa, que saudade eu sentia dele.

O ápice do meu desespero aconteceu na madrugada de sexta-feira para sábado. Tive um pesadelo terrível, tão real que quando acordei meu coração batia ferozmente.

Sonhei que Nando estava morto.

A dor foi tão verdadeira, as lágrimas, abundantes. Me acordei chorando e com falta de ar. Depois que me convenci que era somente um pesadelo de dimensões catastróficas, pulei da cama e liguei o computador. Talvez ele houvesse sofrido um acidente na madrugada ou sido assassinado e seu espírito tentado uma comunicação comigo. Tudo era possível, até para quem não acreditava em espiritismo.

Aquela droga de computador custou a ligar. Entrei no site de notícias que eu costumava acessar e verifiquei as manchetes, em pânico. Nando não havia morrido. Pelo menos sua morte não havia sido noticiada até aquele momento.
Voltei para cama mais aliviada, porém nada satisfeita. Eu sentia uma coisa entalada na minha garganta. Olhei para o relógio. Nove horas da manhã. Onde ele estaria hoje, sábado, véspera da festa?

No clube.

Eu precisava desesperadamente falar com o Nando. Queria apenas ouvir sua voz, nem que fosse para me execrar. Segurei meu celular com as mãos trêmulas e liguei para meu ex. Caiu na caixa postal. Esbravejei todos os palavrões possíveis. Tentei meia hora mais tarde. Novamente desligado.

Naquela altura já não bastava ouvir a sua voz. Eu precisava vê-lo. Corri até o computador outra vez para ler as notícias atualizadas. Nada. Ele devia ainda estar vivo. Mais vivo do que eu.

Rafaela havia saído para estudar na casa de uma colega, portanto eu estava sozinha e livre para tomar qualquer atitude sem a interferência de ninguém. Procurei o telefone da sede campestre do clube e liguei para a secretaria. Minha intenção era descobrir se alguém da família estava por lá, conferindo os preparativos. Até onde Nando tinha me contado, a decoração era uma espécie de surpresa para minha tia. Supus, então, que ela não estaria na área. Meu tio, provavelmente, ficaria ocupado com a esposa e a parentada que estava chegando. Assim, só sobraria o Nando. Era ele, entre os três filhos, quem mais estava envolvido com a festa. No clube não souberam me informar coisa nenhuma, mas eu já tinha a ideia fixa de ir até lá.

Peguei um ônibus que me deixou a uns dois quilômetros do local. Felizmente achei um ponto de táxi pertinho de onde eu tinha descido e que me largou exatamente na frente do clube. Na entrada tive que me identificar e demonstrando uma firmeza que eu não sentia, declarei-me como a nora do casal que estava promovendo a festa no dia seguinte. Na mesma hora deixaram-me entrar. Segui o caminho indicado, sentindo minhas pernas tremerem a cada passo. À medida que eu me aproximava, pensei que Nando poderia ser capaz de ser estúpido comigo e não deixar que abrisse a boca sequer para me explicar. Não esperava bons modos por parte dele, porém não suportava a ideia de ser rechaçada. Enfim, com a boca seca e com o estômago doendo, fui chegando cada vez mais próximo do salão. Em volta tudo estava sendo preparado para a festa. O palco para a banda, a pista de danças, a piscina enfeitada. Eu percebi vozes vindas de dentro do salão, mas não as identifiquei. A vontade maior era de dar meia volta e sair correndo, mas seria muita fraqueza minha chegar naquele ponto e não fazer absolutamente nada. Eu escutava as batidas do meu coração quando cruzei portas do salão. As vozes cessaram. Nando não estava ali.

De repente, meus olhos se cruzaram com os do meu tio. Eu levei alguns segundos para me recompor. O pessoal da produtora de eventos afastou-se, pressentindo o clima estranho que se formara. Com aquela eu não contava. Ele levou algum tempo para articular a primeira frase e por este breve tempo alimentei a esperança de ele não haver me reconhecido.

− Paulinha?

Gelei até os ossos. Eu estava acabada. Não consegui responder.

− Paulinha! O que você está fazendo aqui? Trabalha no clube?

Não poderia eu dizer que ele estava zangado ou incomodado com a minha presença.  Surpresa era o que melhor lhe descrevia.

− Oi, tio – consegui finalmente falar com a voz rouca.

Ele se aproximou um pouco e eu ligeiramente me encolhi. Tinha esquecido que ele era um homem alto e seus olhos frios me amedrontaram.

− É coincidência você estar aqui hoje?
− Não, tio. Não é.

Enxuguei discretamente minhas mãos na calça. Respirei fundo e revelei:
− Eu namoro o Nando. Ou melhor, não namoro mais.

Meu tio empalideceu na mesma hora. Lentamente, olhando-me de alto a baixo, ele murmurou:
− Agora eu entendo porque você sempre nos evitou.

Para piorar a situação, minha tia apareceu do nada. Parou-se ao lado do marido e olhou-me estranhamente. Ela parecia estar a ponto de ter um estalo e me reconhecer.
− Quem é esta moça? – fazendo uma pausa, minha tia me encarou e perguntou – Ela é…?
− Sim, ela é a filha do meu irmão.

Minha tia voltou-se para mim bruscamente.
− Paulinha? O que você veio fazer aqui?
− Ela que é a namorada do Nando – explicou meu tio com uma expressão nada satisfeita.

A mulher recuou uns dois passos, tamanho o golpe. Eu fiquei calada, olhando de um para o outro, sem saber o que dizer ou fazer, totalmente perdida.
− Você? Namorando meu filho? Seu primo?

Eu não queria acreditar que o destino pregara uma peça em todos nós. Com a voz ligeiramente trêmula, tentei explicar:
− Eu não namoro mais o Nando, entenderam? Porém, eu preciso vê-lo, preciso saber se ele está bem! – no meu desespero minha voz saiu estridente demais.

Senti um movimento no ar e automaticamente me voltei para trás. Nando e Ricardo haviam chegado a tempo de escutarem minha última frase. O ar me faltou quando eu o encarei. Nando ficou surpreso ao me ver ali e não demonstrava, até aquele momento, estar com raiva de mim.

Meu tio então deu a estocada final. O momento que eu mais temia finalmente aconteceu, vindo através das palavras dele:
− Você sabe quem é esta moça, Fernando?

Meus olhos se cravaram mais ainda no Nando, ansiando por sua resposta. Percebendo que algo estava fora do lugar, ele devolveu a questão:
− Quem é ela?
− Você sabia que esta moça é filha do seu tio?

Os olhos dele atravessaram a minha alma, enquanto um silêncio mortal se fez no salão. Eu o encarava aterrorizada, podendo ver no seu rosto que ele voltava ao passado, tentando adaptar minha aparência atual ao que eu era há mais de quinze anos. De repente ele piscou e foi nítido perceber que a ficha finalmente havia caído. Nunca senti tanta frieza em um olhar. Ou mesmo aversão.

− Você sabia, Fernando, que estava mantendo um relacionamento com sua própria prima?

Vagarosamente, balançando a cabeça, Nando respondeu com ódio na voz:
− Não, eu não sabia.

Eu podia ter tentado me defender, contudo me faltavam forças para isto. Nando me encarava, quase sem poder acreditar no que estava acontecendo. O mais triste de tudo era ver o ódio estampado nos olhos dele. A partir daquele momento era seguro afirmar que eu havia perdido meu amor para sempre.

Tudo se movia muito lentamente. Meu choque me deixou grudada no chão, eu não conseguia me mexer para lado nenhum. Havia a possibilidade de fugir, mas para isto eu deveria tentar sair do meu atordoamento mental. Então ouvi uma voz. Ela parecia vir de longe, quando na verdade estava perto demais. Era meu outro primo que gritava:
− Não, Nando! Não faça isto!

Quando me dei conta, eu estava sendo arremessada de encontro a uma mesa, rolei por cima dela e fui parar do outro lado estatelada no chão. Senti uma dor horrível no pulso e escutei gritos histéricos. Nando apareceu na minha frente e eu olhei para ele aturdida. Desfigurado, ele me juntou entre as cadeiras, como se eu fosse uma pluma. Levei duas bofetadas do Nando, uma em cada lado do rosto. Senti o sangue escorrer dos meus lábios e só não apanhei mais porque ele foi contido pelo pai e pelo irmão.

Era inacreditável, eu tinha apanhado do Nando. Minhas lágrimas se misturaram ao meu sangue, enquanto eu segurava o pulso, encarando-o sem poder entender o tamanho daquela agressividade. Que sonho horrível, disse para mim mesma, como eu queria acordar agora.
− Você tentou se infiltrar na minha família para terminar de dar o golpe que seu pai começou! – berrou Nando, tentando se soltar e continuar a pancadaria.

Tentei dizer que não, porém meus soluços impediram. Meu tio o segurou pelos ombros, interpondo-se entre nós dois.
− Fernando, pare com isto! Como você pôde bater na sua namorada? Não seja covarde!
− Jamais deveria ter me envolvido com uma mulher da sua espécie! – sibilou o homem que eu amava, tentando se soltar dos braços do pai, disposto a continuar a me bater.

Dei as costas e fui embora. Passei cega de dor pela minha tia, que chorava encostada em uma coluna. Saí cambaleante pelos jardins do clube, gemendo de dor, chorando de tristeza. Não cheguei a andar dez metros. Mãos fortes me ampararam antes que eu desabasse de vez. Era Ricardo. Sem dizer nada, ele me conduziu até o carro, fez com que eu entrasse e deu a partida.