Na volta para casa ocorreu outro
imprevisto. Seria sempre assim dali para frente. No meio de uma conversa
comentei sem querer que fazia algum tempo que eu não visitava meus pais.
Arrependi-me imediatamente. Nando, gentilmente, ofereceu-se:
- Se você quiser, eu posso
levá-la em um final de semana até a casa deles. Assim eu posso conhecer meus
sogros.
Eu gelei inteira.
- Ah… quem sabe... se você não
tiver nada melhor para fazer…
- É só você pedir – respondeu o
Nando, a coisa mais querida, segurando minha mão – Puxa, suas mãos estão
geladas. Quer que eu desligue o ar?
- Quero – eu disse sentindo uma
leve enxaqueca.
Ele desligou o ar condicionado e
eu abri a janela. E o resto da viagem foi assim. Eu curtindo uma enxaqueca, com
o vento direto no meu rosto para dar algum alivio. Felizmente meu namorado não
fez mais nenhuma pergunta sobre a minha (nossa) família. Eu teria vomitado ali
mesmo.
Quando eu cheguei em casa a
enxaqueca continuava a mesma. Apesar do convite do Nando, resolvi dormir no meu
apartamento para enfrentar a fúria da Rafa de uma vez por todas. No entanto,
milagrosamente, ela não falou nada. Somente perguntou como havia sido o
feriadão e eu perguntei por Guto. Conversamos mais algumas coisas e eu fui
dormir exausta. Nem me lembrei de perguntar como estavam nossos pais.
Na manhã do dia seguinte a dor
havia passado e eu me levantei sem muita vontade de ir para o estágio. A Rafa
já tinha saído e eu tomei um copo de suco rapidamente, pois já estava atrasada.
Cheguei uns quinze minutos depois do horário e para minha surpresa fui
comunicada que estava sendo dispensada. A explicação foi de que eu sumi na
semana do carnaval e não fui capaz de dar nenhuma satisfação, ou seja, deixei
meus colegas empenhados. Como eu não tinha o que argumentar, peguei algumas
coisas que estavam na minha gaveta e fui embora.
Resolvi voltar a pé para casa,
tentando pôr meus pensamentos em ordem. Eu não podia me dar ao luxo de entrar
em desespero, mas era exatamente isso o que estava acontecendo. Eu tinha contas
para pagar. Rachava todas as despesas de luz, água, comida e qualquer coisa
extra com a minha irmã. Meus pais mandavam algum dinheiro para nós todos os
meses, mas era apenas um reforço para o aluguel. Minha bolsa de estágio era
pouca, mas ajudava a também pagar minhas roupas, a passagem do ônibus, enfim,
eu estava falida. A Rafa iria me matar. Meus pais também. E ainda havia o
Nando. O que eu diria para ele? Estava morrendo de vergonha.
Meu celular tocou e eu levei um
susto. Era Rafaela. Decidi que só contaria que eu estava na rua da amargura
logo mais à noite, em casa.
- Oi, Rafa – tentei fazer a voz
mais serena possível.
- O que você fez? – vociferou ela
do outro lado da linha – O que você andou aprontando para eles te botarem para
a rua?
Fiquei pálida. Ela já sabia.
- Como... como você descobriu que
eu…
- Eu queria falar com você e
liguei para lá. Puxa, Pauline! O que você tem na cabeça? O que nós vamos fazer
agora?
- Vamos conversar de noite, está
bem? – pedi querendo apaziguar – Estou atravessando uma avenida, não vou
discutir este assunto com você agora. Ah, e ainda não conte nada para nossos
pais.
- Até mais então – ela disse
secamente, desligando o telefone em seguida.
Desconsolada, fui para casa e
desliguei o celular. Embora quisesse falar com Nando, eu não estava preparada
para contar a ele sobre minha nova realidade. Comparei-me a Raquel. Ela era uma
publicitária de sucesso. Eu, uma ninguém desempregada. Namorando um cara bem
sucedido, eu também deveria estar à altura dele. Deveria. O Nando trabalhava em
um grande banco. E eu, uma pobretona que não tinha nem grana para pagar as
contas. Qual futuro teria um namoro daqueles? Logo ele passaria a ter vergonha
de mim.