quarta-feira, 28 de novembro de 2012

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 63)


O sofrimento veio como um tsunami. Eu olhava para meu amor e não via futuro algum para nós. Mas nunca houvera futuro mesmo. Eu era uma farsa, uma total fraude da cabeça aos pés. Lógico que ele me convidou para a grande festa e eu aceitei, fingindo grande empolgação. Aquilo tudo fazia parte do meu plano.

Rafaela percebeu uma súbita mudança no meu estado de humor e possivelmente ficou muito confusa. Nando, que estava em São Paulo, me ligava todos os dias. Se não era o Nando quem me perturbava, devia pensar minha irmã, qual era o motivo para meu estado sombrio?

Uma semana antes da festa Nando e eu conversávamos dentro do carro, voltando para casa depois de um passeio no parque. Era domingo. Fazia frio. Eu sentia minha alma mais gelada ainda. Já era para eu ter rompido com ele, mas meu coração sangrava. Era difícil. Doloroso. Qual sentido teriam as coisas depois que Nando não estivesse mais ao meu lado?

Ele comentou algo sobre a festa, da decoração do clube, música, dança... Então, reunindo toda a minha pouca coragem, eu declarei, com a voz seca e fria.
− Nando, eu não vou.
Era tudo o que precisava para gerar uma crise. Eu me negar novamente a encontrar com a sua família era como ter acendido a fogueira para causar um enorme incêndio. Assim que passou a surpresa, os olhos dele soltavam faíscas. Tive ímpetos de me encolher, porém me mantive firme.
− Por quê?
− Não acho que eu queira conhecê-los.

De novo o tom da minha voz soou horrível até mesmo para meus próprios ouvidos. Não era eu quem falava aquilo. Algo devia ter me incorporado. Fiz força para não chorar. Firmei a voz e prossegui:
− Sua família não vai me aceitar e acho que terei problemas em relação a isto.
− Não é este o motivo – ele sibilou – Conte outra.
Engoli em seco.
− Eu não quero ir. Não quero conhecer seus pais.
Nando ficou em silêncio, com os lábios crispados. Furioso.
− Você tem certeza do que está dizendo?
− Claro que sim.
Eu mal terminei de responder e ele deu uma freada brusca, parando junto à calçada. Para meu espanto Nando me olhou e esbravejando exigiu:
− Saia do meu carro.
Permaneci olhando para ele, mal disfarçando meu choque.
− Você sabe o quanto esta festa é importante para nossa família e tudo o que isto pode simbolizar. Se você não quer participar, significa que você não quer fazer parte dela. Então desapareça daqui.

Fiquei zonza, mas consegui atinar de abrir a porta e sair. O carro partiu em seguida em alta velocidade. Comecei a andar pela calçada, atordoada, em linha reta, como se estivesse catatônica. Eu estava um pouco longe de casa e isto não fazia a menor diferença para mim. Era melhor que eu caminhasse para esfriar a cabeça, chorar tudo o que era para ser expiado antes de chegar em casa e dar de cara com a Rafa. Mesmo tendo provocado a ira do meu namorado, agora ex, eu ainda tinha esperança de que ele voltasse pedindo desculpas, zerando tudo outra vez. Só que o carro dele não apareceu ao meu lado e à medida que eu me aproximava de casa, passei a desejar que então Nando estivesse na frente do meu prédio, me esperando. Claro que ele não estava lá quando finalmente cheguei. Ele não estaria em lugar nenhum, eu disse para mim mesma. Muito menos na minha vida.

Abri a porta do apartamento e encontrei Guto e a Rafa assistindo a um DVD. Minha cara de enterro devia estar pior do que eu imaginava, tendo em vista a expressão de assombro dos dois. Refugiei-me no meu quarto, fechei as cortinas e sentei na cama. Não conseguia pensar em mais nada a não ser nele. Se Nando voltasse para mim, eu teria que contar a verdade. E desta forma também não obteria seu perdão. Pela primeira vez me arrependi de um dia tê-lo abordado naquele maldito reveillon. Por que eu não tinha ficado quieta no meu canto? Por que não investi em um relacionamento menos problemático? Por quê? Por quê? Por quê?

Minha irmã abriu a porta do meu quarto. Cuidadosa, ela perguntou:
− Dá pra eu acender a luz?
Murmurei que sim e Rafa entrou, fechando a porta. Ela acendeu a luz do abajur e ficamos um tempo nos encarando. Criei coragem finalmente e revelei:
− Há alguns dias atrás nosso primo me contou a versão deles a respeito daquela história do papai.
Curiosa, mas pressentindo que viria chumbo grosso, Rafa indagou lentamente:
− E bateu com a nossa?
− Rafaela, você sabia que nosso pai tentou matar o pai do Nando?
Minha irmã recuou como se houvesse levado um golpe. Pálida, muito pálida, repetiu:
− Papai tentou matar nosso tio… Não pode ser verdade!
− Mas eu acho que é.
Sem poder mais ficar em pé, ela sentou ao meu lado e cobriu o rosto com as mãos arrasada.
− Mamãe não me contou esta parte.
− Para nos poupar, certamente.
− Como foi?
Contei resumidamente tudo o que Nando me narrara e a cada palavra, Rafaela balançava a cabeça como se não acreditasse em nada.
− Será que é por isto que agora papai se dedica tanto às causas sociais? – perguntou minha irmã em tom de deboche.
− Tenho certeza que sim.
Fiz uma pausa e prossegui:
− Sabe como eles nos chamam?
− Como?
− Lado podre da família.
− Foi por isto que vocês brigaram? Você e o Nando?
− Eu provoquei uma situação de rompimento – esclareci, com o coração murcho – Depois do que eu soube e do que ele pensa sobre nós, realmente caiu a ficha que é impossível ficarmos juntos. Os pais dele vão comemorar aniversário de casamento daqui a uma semana. Será um evento grande. Imagine eu dando de cara com todas aquelas pessoas que me conheceram quando eu era uma menininha? E com os nossos tios? Impossível. Alguém iria me reconhecer e a festa terminaria por minha causa. O Nando odeia o lado de cá. Disse que poderia reconhecer papai em um estádio lotado. Ah, e acertariam as contas, caso isso acontecesse.
− Você é a cara do papai.
− E o Nando nunca percebeu.
− Bem, voltando ao assunto... O que você fez para romper o namoro?
− Simplesmente disse que não iria à festa, não queria conhecer os pais dele. Discutimos e ele fez com que eu descesse do carro. Vim a pé.
− Puxa, mas que grosso!
− Estou arrasada... Queria que meu celular tocasse e ele dissesse que está tudo bem, que sempre ficará tudo bem, com segredos ou sem segredos.
− Melhor assim, Paulinha. Pense na confusão que você evitou.
− Ele é o homem da minha vida – resmunguei desolada.
− Até você conhecer outro.
− Eu não quero conhecer ninguém, Rafa. Minha vida perdeu a graça agora. Por quem eu vou continuar tendo motivos para levantar de manhã?
− Pelo amor de Deus, Paulinha! – berrou Rafaela – Que dependência desse homem! Você não tem vida própria?
− Não.
− Em qual século você vive?
− Não sei. A única coisa que tenho conhecimento é que amo o Nando.
− Quem sabe você adquire as rédeas da sua vida? Você mesma contou que sempre foi apaixonada pelo nosso primo, que fuçou a vida dele no Facebook até um dia provocar o encontro. Ou seja, sua vida é um satélite que gravita em volta do Fernando. Que tal partir para outros rumos? Pode ser interessante.
− Não sabia que tenho uma irmã formada em psicologia.
− Nem preciso ser formada em porra nenhuma. Seu caso é ridiculamente fácil e pode ser tratado por qualquer leigo.
Rafaela me deu um beijo na testa e saiu do meu quarto. Era impressionante. O fato de eu romper com o Nando foi o suficiente para minha irmã se reaproximar de mim. Deitei na cama sentindo um vazio horrível por dentro. Nada mais fazia sentido agora.


quinta-feira, 22 de novembro de 2012

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 62)


− Veja isto aqui.
Eu estava com o Nando no apartamento dele. Meu namorado me mostrava uma foto colorida, de tamanho médio. Aproximei-me curiosa e engoli em seco. Era um convite para o aniversário de 35 anos do casamento dos meus tios. A foto era o convite e ambos estavam muito bem, parecendo bem felizes.
− Que foto bonita, Nando.
Ele estava orgulhoso. Comentou:
− Eles vêm planejando a festa há tempos. Convidaram parentes até do Espírito Santo, pelo lado da mamãe. Será uma enorme comemoração.
Comecei a gelar rapidamente. Devolvi a foto perguntando:
− Do Espírito Santo? Sua mãe tem origens naquele estado?
Tinha sim, eu sabia, só que havia esquecido. Nando possuía um monte de primos que moravam lá.
− Sim, foi onde ela nasceu. Contei para você como meus pais se conheceram?
− Não – respondi, fingindo um grande interesse. Eu conhecia a história.
− Meu pai foi passar umas férias no Espírito Santo. No segundo dia ele foi à praia e conheceu minha mãe. Foi amor à primeira vista. Antes de ele viajar de volta para casa, jurou que voltaria para buscá-la. Um mês depois eles já estavam morando juntos aqui, tudo foi muito rápido. Quem não gostou muito foi meu avô… Mas depois ele se acostumou.
− Que lindo... E o amor se mantém até hoje.
− Então? Não é justo que seja celebrada uma festa? Uma grande festa? – perguntou ele muito empolgado.
− Claro… E… seus primos, tios… já confirmaram presença?
− Sim, estão loucos para vir. Meu pai tem uma relação muito estreita com meus tios. Ele não tem parentes. Deve sentir falta disto.
Minhas antenas se alertaram. Cautelosamente eu perguntei:
− Seu pai não tem ninguém?
− Além de nós, não – Nando ficou um pouco pensativo e acrescentou – Quer dizer, meu pai tem um irmão, mas ninguém sabe onde ele está.
− É mesmo?
− Não vale a pena contar, Pauline, é uma história que marcou negativamente nossa família.
Meus olhos estavam cravados no Nando. Ao mesmo tempo em que desejava que ele contasse a sua versão, eu ansiava que o assunto parasse por ali mesmo.
− Que coisa...
− O irmão do meu pai… tentou assassiná-lo.
− O quê?

Quase gritei e meu rosto ficou todo branco. Nando me encarou, não entendendo minha reação.
− Mas não aconteceu nada – ele apressou-se a dizer – Isto é, houve uma tentativa de roubo por parte do meu tio. Eles eram sócios. Meu pai o flagrou e aconteceu uma briga terrível. Aquele homem – e Nando fez uma careta de nojo – acertou um tiro no meu pai. Foi de raspão, porém uma tentativa de homicídio.
− Ele chegou a ir para a prisão? – eu continuava em choque.
− Meu tio simplesmente desapareceu. Pegou minha tia e as filhas e foi para algum lugar. Deixou tudo para trás. Casa, carro, móveis. Papai chegou a pensar em colocar a polícia atrás, porém a família inteira convenceu-o a desistir disso.
− E você ainda se lembra dele? Fisicamente falando.
− Claro, eu o reconheceria em qualquer lugar, até mesmo em um estádio de futebol lotado.
− Que história… horripilante.
− Um dia destes eu estava conversando com o Ricardo sobre isto. A sorte do meu tio é que nós éramos pequenos. Se fôssemos mais crescidos as coisas não teriam passado em brancas nuvens.

Tentei defender meu pai.
− Nunca passou pela sua cabeça que esse homem pode ter se arrependido? E até mesmo estar fazendo alguma coisa para expiar os seus pecados?
Nando deu uma risadinha, irônica:
− Não acredito nisto. Uma pessoa que nasceu com desvio de caráter, só muda na reencarnação seguinte e olhe lá. Mais cedo ou mais tarde ele vai aprontar outra. Será que terá a mesma sorte? Ou será que já está morto por algum golpe mal dado?

Era muito triste ouvir aquelas palavras sobre meu pai. Nunca me pareceu que ele tivesse desvio de caráter ou qualquer coisa do gênero. Provavelmente pelos seus próprios erros do passado, ele tenha feito tanta questão de que eu e Rafa fôssemos tão certinhas, tão cumpridoras dos nossos deveres. Meu pai não era um homem mau. Talvez tivesse sido fraco em algum momento da sua vida. Agora ele era um homem bom e digno. Para mim sempre tinha sido. Eu me sentia abalada demais com aquela descoberta triste.
− Imagino que minhas primas tenham saído a ele.
− As filhas dele? Será? – minha voz era um fio.
− Claro. O lado mau é sempre mais forte.
Eu sentia meus olhos se arregalarem cada vez mais.
− Se eu pudesse mandava aquele homem para a cadeia. Ele tentou matar meu pai! Você sabe o que é isto?
− Nando, não vale a pena remoer este ódio. Esqueça! Seu pai esqueceu?
− Creio que não. É uma mágoa que ele sempre levará no coração. Tenho a impressão de que ele nunca perdoou meu tio.

Meu coração ficou pequeno. A família dele odiava a minha. Jamais haveria chances de reconciliação. E Nando namorava a filha do homem que tentou matar seu pai.
− Devo estar apavorando você com a história podre da minha família. Bem, toda família tem sua ovelha negra.
− Só estou surpresa – garanti afagando a mão dele.

Sou o lado podre da sua família, Nando. Sinto muito.

O telefone dele tocou e Nando se afastou para atender. Com as mãos trêmulas peguei novamente o convite. A festa seria realizada em um domingo, na sede campestre de um clube muito chique e badalado. Faltavam duas semanas. Seria um almoço, com direito à música ao vivo, danças... Como eu iria fazer para escapar? Pensei em ficar doente, fugir, me mudar para outro planeta. Para meu desespero, caí na real de vez. Não havia mais volta. Meu namoro com o Nando estava prestes a se esfacelar. Não era mais possível prosseguir com aquilo tudo.

Estava na hora de eu pular fora.

domingo, 18 de novembro de 2012

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 61)


Minha relação com a Rafa deteriorou-se a olhos vistos. Ela já nem olhava mais para mim. O Nando ligava todos os dias, à noite, e eu jamais mencionei qualquer coisa. Aguentei sozinha toda aquela rejeição.

Partirmos na sexta-feira, antes de o sol nascer. O tempo já começava a esfriar e eu me desobriguei a levar meus biquínis. Estar ao lado do Nando era a mesma coisa que esquecer tudo o que me arrasava. E eu desejava que aqueles três dias durassem toda a eternidade.

A pousada ficava em uma praia pequena e pouco frequentada. Nosso quarto era muito aconchegante, perfeito para nós dois. À noite fomos obrigados a dormir de cobertor e me vi rezando para poder conseguir atravessar o próximo inverno com o Nando. Apesar de todo o esforço para esquecer meus problemas, existiam momentos que eles transpareciam nos meus olhos. Várias vezes percebi o olhar do Nando sobre mim, como se ele quisesse me decifrar. Era apavorante. Eu estaria em maus lençóis se ele pudesse ler todos os meus pensamentos.

A gota d’água veio no sábado ao entardecer. Passeávamos na beira da praia. Um ventinho frio era a desculpa para que andássemos agarradinhos um no outro. Nando aproveitou o momento e perguntou suavemente:
- O que aconteceu que está deixando você tão triste?
Imediatamente eu tive vontade de chorar para não fugir ao costume. Porém fui forte e engoli o choro ao responder:
− Nada.
− Não me enrole, Pauline. Me conte o que foi. Você não confia em mim?
− Não é isto – eu caminhava olhando para o chão, afim de que o Nando não reparasse na minha cara de choro – Não quero chatear você com coisas sem sentido.
− Se magoam você, então elas têm um sentido...
− Mas não para você.
− Pauline, pare de dar voltas. Quem magoou você?
Respirei fundo e revelei:
− Briguei com a minha irmã.
− De novo? Por quê?
− Porque ela é uma imbecil.
Ficamos em silêncio. Dei um tempo e prossegui:
− Briguei com o resto da família também.

Ele parou de caminhar e fez com que eu olhasse para o seu rosto.
− Gostaria que você me contasse este tipo de coisa.
A preocupação dele me comoveu mais.
− Não sou de me abrir muito.
− Eu sei, mas não posso ficar tranquilo sabendo que o mundo está desabando nas suas costas.
O esforço que eu fazia para não chorar era quase além das minhas possibilidades. E olhar para o Nando tornava tudo muito pior.
− E qual foi o motivo?
− O motivo sou eu estar aqui. Esqueci que minha mãe faz aniversário hoje. Deve estar acontecendo uma grande festa em homenagem a ela. Mas eu preferi estar aqui com você e eles não entendem isto.
− Por que não me disse? – Nando me repreendeu – Eu desmarcaria tudo.
− Nando, você não entendeu. Eu estou aqui com você porque eu escolhi assim. Não há outro lugar no mundo em que mais eu deseje estar.
Ele me beijou, suavemente. E foi um beijo tão doce que quase levitei.
− Você faz com que eu me sinta um homem abençoado.
Eu abracei-o longamente e perdi a noção de quanto tempo ficamos aninhados nos braços um do outro, nossos corações batiam sincronizados. Então ele sussurrou no meu ouvido:
− Eu sempre vou amar você.
Me enrosquei mais ainda no pescoço dele. Talvez naquele momento, de sintonia perfeita, fosse a hora exata para contar tudo e acabar com o sofrimento de uma vez por todas. Eu não podia perdê-lo. Jamais.
− Nando… - murmurei sem o soltar. Meu corpo tremia todo e meu coração disparou.
− O que foi?
Nando tornou a fazer com que eu o encarasse. Tentei abrir a boca para começar a contar o meu segredo, porém não consegui articular uma sílaba.
− O que é, Pauline? Você quer me contar alguma coisa?

Balancei a cabeça, afirmativamente. Sim, eu precisava dizer quem eu era, a prima distante, filha do ladrão que tentara destruir com a família dele e que vinha escondendo sua real identidade há quase quatro meses.
− Então me conte – pediu ele ternamente – Diga para mim o que destrói você por dentro.
Faltou-me coragem. Olhei para o rosto perfeito do meu amor e eu lembrei que sem ele minha vida nunca mais teria sentido algum. Comecei a chorar copiosamente, enroscada nos seus braços. Depois de uns dez minutos de choradeira total, as palavras voltaram a minha boca.
− Nando… tudo o que eu fiz… tudo o que eu faço…
Tive que interromper para me recompor outra vez.
−… é somente por amor. Todas minhas atitudes… tudo, absolutamente tudo, é porque eu amo você mais do que qualquer coisa. Jamais se esqueça disto… Um dia… bem, um dia isto pode fazer toda a diferença.
Consegui tocar fundo no coração dele e Nando me abraçou, emocionado também. Ficamos mais um tempão na beira da praia, até a noite se fechar sobre nós. Ali, sob as estrelas, eu tive certeza de que jamais o perderia.

Enganei-me redondamente.


Minha vida com Rafaela tornou-se irreal. Vivíamos no mesmo apartamento e mal nos falávamos. Algumas semanas antes de tudo acontecer, eu comecei a ver o Nando apenas nos finais de semana. Por conta do banco, ele passava os cinco dias úteis em São Paulo e eu quase morria de saudade. Contudo, quando meu namorado voltava, passávamos momentos maravilhosos. Secretamente eu torcia para que ele fosse transferido para a matriz que ficava justamente no centro do país. Na minha cabeça assim tudo estaria resolvido.

Se no meu trabalho as coisas corriam bem, o relacionamento com meus pais estava cada vez pior. Minha mãe não tinha engolido ainda o fato de eu não ter passado o aniversário com ela e, para piorar, minhas felicitações haviam sido por meio de uma mensagem através do celular. Calor humano zero. Nunca mais tive coragem de ligar para meus pais. A comunicação era feita por Rafaela que informava se eu estava bem ou não. Não sei também se eles tinham vontade de falar comigo. Alguém precisava cortar o gelo. E eu esperava que partisse do lado de lá.
O Nando pouco perguntava sobre minha família por saber que isto me machucava. Depois daquele episódio, na praia, quando quase confessei tudo, eu sempre tinha a impressão de que ele esperava que a qualquer minuto eu fosse revelar alguma coisa. Mas o momento tinha passado e a coragem – que era o mais importante – também. Eu me considerava a pessoa mais fraca do mundo. Um dia, a bomba iria explodir e eu não estava preparada para as consequências. E os estilhaços atingiriam muita gente.


quarta-feira, 7 de novembro de 2012

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 60)


Rafa estranhou minha presença em casa naquele início de semana que antecedia à Páscoa. Na segunda-feira limitou-se a falar comigo aos monossílabos somente o que era preciso. No dia seguinte ela não suportou a curiosidade. Eu estava na cozinha à noite preparando um lanche quando Rafa chegou de mansinho e fuzilou:
− Brigaram?
Não olhei para ela. Respondi enquanto cortava os tomates:
− Ele está em São Paulo. Volta antes do feriadão.
− Ah…
Não demorou cinco minutos minha irmã retornou à cozinha e disse:
− Esqueci-me de lhe dar um recado da mamãe.
− Qual recado?
− Ela pediu que você verificasse se tem alguma roupa que não lhe serve mais. É para os pobres que ela ajuda, lá da nossa cidade.
Minha mãe vivia fazendo caridade. E meu pai também.
− Vou olhar. Você vai mandar por alguém?
Rafaela me olhou estranhamente:
− Nós vamos passar o feriadão lá.
− Você e o Guto?
− Eu, você e o Guto.
Larguei tudo com um estrondo em cima da pia.
− Como assim?
− Paulinha! Qual evento se comemora no sábado?
− A Páscoa. E é no domingo.
Minha irmã ficou me encarando e eu sustentei o olhar. Ela não parecia entender alguma coisa e eu tampouco.
− É aniversário dela, Paulinha.
− Dela quem?
Na hora em que terminei de perguntar, me dei conta imediatamente do que Rafaela queria dizer. O Nando me tirava completamente de órbita, todos meus pensamentos eram para ele. Minha mãe faria aniversário no próximo sábado e eu havia me esquecido completamente. Agora estava envolvida em uma bela confusão familiar.
− Bom… eu não vou poder ir.
− Como não? É aniversário da sua mãe!
− Vou passar o feriadão em Florianópolis com o Nando. Não me lembrei do aniversário dela.
− Desmarque – Rafa praticamente ordenou.
− Não vou desmarcar – revidei friamente.
− É aniversário da sua mãe!
 Ela vai compreender.
Eu estava bem perturbada. Minha mãe não iria compreender coisa alguma.
− Você prefere passar o feriadão da Páscoa com seu primo a celebrar com sua mãe?
Rafaela, quando queria, era infernal.
− Não é uma questão de preferir… Tudo bem, eu prefiro ficar com o Nando, sim! Qual é o problema?
− O problema é seu! Quer saber? Vá mesmo passar o feriado com seu primo. Pode ser o último.
A vontade que tive de esbofetear Rafaela foi tão grande que segurei minha mão a poucos centímetros do rosto dela. Surpresa com a minha agressividade, Rafa saiu da cozinha deixando que eu remoesse minha raiva e tentasse articular uma saída.

Não encontrei saída alguma, mas decidi acabar com aquilo de uma vez por todas. Peguei o celular e me tranquei no quarto. Meu coração batia desesperado, enquanto eu efetuava a ligação. Minha mãe atendeu no segundo toque.
− Oi, mãe. É Paulinha.
− Paulinha! Tudo bem? Sua irmã me contou que você teve um pequeno probleminha estomacal por esses dias.
− Ah, não foi nada. Estou bem agora – minimizei.
− Rafa lhe deu o recado?
− Qual? – Tentei ganhar tempo.
− Sobre as roupas velhas.
− Ah, claro. Eu vou separar para você. Papai está bem?
− Muito bem. Mas ele se queixa que só a Rafaela liga para cá.
Era uma suave reprimenda. Minha mãe continuou:
− Agora tudo vai se ajeitar e ele ficará mais tranquilo quando vocês chegarem no feriadão.
− Mãe, é sobre isto que quero falar com você.
Ela ficou em silêncio do outro lado, como se pressentisse que viria uma notícia ruim.
− Eu não vou poder ir – disparei.
Mais silêncio. Depois veio a pergunta, meio aflita:
− Por que não?
− Porque o Nando reservou uma pousada para nós em Florianópolis.
− Você não informou ao seu namorado que neste fim de semana é meu aniversário? – a voz dela era um iceberg.
− Mãe, eu nem lembrei – confessei angustiada.
De novo o silêncio. Isto era pior que mil sermões juntos.
− Você esqueceu o aniversário da sua mãe?
− Esqueci – confirmei de olhos fechados, esperando o porvir.
− Pauline, estou decepcionada com você.
− Mãe, olha só…
− Este homem virou sua cabeça de tal forma que toda sua vida gira em torno da dele.
− O Fernando é uma pessoa maravilhosa – fiquei ofendida com as palavras dela, mas reconhecendo a razão em todas as letras.
− Acredito que seja. Ele fez com que você abandonasse a faculdade, perdesse o estágio e passasse por cima do meu aniversário. Realmente, é o genro dos sonhos.
− Como o Nando iria saber do seu aniversário se nem eu lembrava?
− Bem, Pauline, faça o que você achar melhor. Se para você é mais interessante passar três dias ao lado do tal Fernando, então vá com ele. Quem sou eu para impedir? Apenas sua mãe e nada mais que isto. Só não se esqueça das roupas.
           
Depois de dizer isto ela desligou o telefone sem sequer se despedir. Chocada, fui até a sala onde minha irmã assistia TV. Eu tinha certeza que ela escutara a conversa. Furiosa, ameacei:
− Se você abrir a boca e contar tudo para nossos pais vou acabar com sua raça!
Rafaela nem piou e eu sabia que ela não se atreveria a falar qualquer coisa para eles. Perdi a fome totalmente. Guardei a comida que eu preparava dentro da geladeira e me tranquei no quarto.


segunda-feira, 5 de novembro de 2012

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 59)


Desliguei o celular sem pensar sequer em me arrumar. Fiz uma varredura em todas as fotos da Rafa que estavam em lugares visíveis. Sem perder tempo, enviei uma mensagem para ela dizendo assim: Não apareça. Nando vem vindo para cá. Passei uma água no rosto, escovei os dentes, estendi o lençol e ele apertou no interfone. Dez segundos depois meu namorado estava batendo na minha porta.

Parecia que não nos víamos há anos. Transamos no sofá da sala, no meu quarto e debaixo do chuveiro. Já era quase meio dia e àquela altura deduzi que estava tudo bem entre nós dois novamente. Abraçado a mim, ele confessou em tom de desculpas:
− Acho que peguei pesado com você.
− Enquanto a gente transava?
− Não – ele riu, para depois ficar sério em seguida – Antes, quando eu disse aquele monte de coisas para você.
− Eu já esqueci – garanti a ele.
− Desculpe. Eu não podia acusar você de ter outra pessoa. Eu sei… sinto que seu amor por mim é verdadeiro.
− Não há nada mais verdadeiro que isto – respondi beijando-o nos lábios.
Aliás, era a única coisa verdadeira. Eu arrematei:
− Fico feliz em você saber disso.
− Também amo você.
Quase chorei.
− É a melhor notícia do ano.

Nos beijamos, um beijo ardente, arrebatador. Eu me sentia no céu. Não queria mais dormir. Ouvir dos lábios do Nando uma declaração de amor aliviava todos os meus temores. Talvez fosse mais fácil conseguir o perdão dele no dia em que eu tivesse coragem o suficiente para contar a verdade.

Meia hora mais tarde resolvemos sair para almoçar. Assim que pude, mandei outra mensagem para Rafaela dizendo que o apartamento estava liberado.
− Você se deu conta que semana que vem temos um feriadão?
Estávamos almoçando quando ele fez a pergunta. Olhei para Nando surpresa.
− Feriadão?
− Da Páscoa.
            Nando tanto tomava conta dos meus pensamentos que eu não havia lembrado isso.
− Puxa… é mesmo. Passou rápido demais.
− O que você acha de passarmos na praia? Só nos dois, em uma pousada bem escondida?
Adorei a proposta e por isto respondi de bate pronto:
− Acho perfeito. Mas você irá conseguir uma reserva assim tão perto?
− Já tenho tudo reservado. Como eu sabia que você iria aceitar, me adiantei.
− Nossa, eu sou muito previsível. Adorei a ideia.
− Bem, agora vem a notícia ruim.
Cheguei a deixar o garfo cair.
− O que é?
− Calma, não é assim cem por cento ruim. Vou passar a semana em São Paulo, volto na quinta à tarde e saímos na sexta bem cedinho.
− Acho que posso suportar.
− Creio que sim.
− Vai me ligar para que eu possa monitorar seus passos?
− Não sabia que você tem medo da concorrência.
− É só de uma que tenho medo.
− Raquel é carta fora do baralho – Nando fez uma pausa e confessou – Ela andou me procurando um dia desses. Lá no banco.
O ar me fugiu e eu empalideci. Fiz a pergunta óbvia:
− O que ela queria?
A resposta foi mais óbvia ainda:
− Reatar.
− E o que você disse?
− Se hoje estou aqui com você, qual a resposta que presume que eu dei?
− Preciso saber as palavras que você usou.
− Disse que amava outra pessoa.
− E a reação dela?
− Chorou, se lamuriou e foi embora.
− Será que ela vai desistir agora?
− Espero que sim – suspirou o Nando.
− Mas seus pais a adoram, não é?
− Isto não faz a menor diferença para mim.

E se eles me odiarem qual a diferença que fará para você?
           
O domingo terminou perfeito. Nem voltei para casa. Dormi na casa do Nando e na segunda-feira bem cedo ele voou para São Paulo. E eu comecei a contar nos dedos os dias para viajarmos juntos.



quinta-feira, 1 de novembro de 2012

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 58)


Peguei o primeiro táxi que apareceu e fui para casa. Não era nem uma hora da madrugada e a bebida que eu havia tomado dava voltas e voltas no meu estômago. Precisava de um banho urgente para esfriar a cabeça. O que Nando estaria pensando? No mínimo pretendendo apertar o meu pescoço.

Quando abri a porta do banheiro, enrolada na toalha, deparei-me com Rafaela. De braços cruzados ela perguntou:
− Conseguiu se safar? Chegou cedo.
− Acho que me safei, sim – respondi mal humorada – Desapareci quando os pais do Nando aterrissaram por lá.
− Imagino que seu namorado tenha ficado muito contente com seu sumiço. Já tem a desculpa pronta?
− Por que você não vai dormir, Rafaela? Isto é problema meu!
− Não é um problema só seu.

Ao dizer isto Rafaela deu as costas e foi para o quarto onde Guto já dormia. Apesar da tensão não custei a dormir. O álcool me causara dor de cabeça e náusea, e ferrei no sono até às nove horas da manhã. Acordei com o celular berrando em cima de mim. Rafaela, emburrada, trouxe-me o aparelho que ficou vibrando no meu peito até que eu assimilasse que aquilo não era um sonho.
− É ele – grunhiu minha irmã para em seguida pegar a bolsa e sair de casa com o namorado.

Com medo das consequências atendi ao telefone, tentando fazer uma voz de doente. Nem precisou. Meu enjoo falou mais alto – não sei se causado pela bebida ou pelo Nando.
− Alô?
− Espero que você tenha uma boa explicação a me dar.
− E eu tenho – retruquei tentando manter a minha voz doentia.
− E qual é a desculpa agora, além do fato de você ter fugido da minha família outra vez?
− Eu bebi demais. Acho que fiquei meio bêbada. Como você acha que seus pais se sentiriam quando conhecessem a nora cheirando a álcool?
Nando ficou em silêncio por segundos, enquanto analisava minha desculpa esfarrapada.
− Eu achava que você não bebia.
− Ontem era uma noite especial. Eu precisava beber para enfrentar o seu círculo de amigos.
− Eles não mordem.
− Mas me olham como se eu fosse um animal no zoológico – protestei e esta parte era verdade.
− Eu namorei anos com Raquel. É compreensível que isso aconteça.
− Tudo bem, eu concordo. Mas voltando ao assunto, achei que ficaria muito constrangedor para todos que eu me apresentasse descabelada de tanto dançar e fedendo à bebida na frente dos seus pais. Você tem que levar isto em consideração.
− Constrangido fiquei eu quando procurei minha namorada e não a encontrei. Sinceramente, preferia ter encontrado você bêbada em um canto a ter que dar explicações furadas sobre uma garota abduzida.
− Eu…
− Não terminei. E você, antes de se escafeder, se atirou na pista de dança com aquela demente da Carol. Uma péssima companhia. Carol bebe até pelos olhos. Meus pais não a suportam.
− Eu a achei bem legal.
Meus revides deixaram Nando mais irritado ainda.
− O que você esconde de mim?
Até então eu discutia com ele deitada na cama. Ao ouvir a pergunta levei um choque – mais um – e me sentei sentindo o coração disparar.
− Não escondo nada – respondi rapidamente, a tensão concentrada toda na minha voz.
− Seu comportamento evidencia isto. Sua voz também.
− Você está ficando neurótico.
− Pauline, você tem outra pessoa em sua vida? Lá na cidade em que seus pais vivem?
Aquilo foi demais para mim. Lágrimas vieram aos meus olhos e comecei a chorar na mesma hora.
− Não admito! Você entendeu bem? Não admito que você pense isto de mim!
− E o que você quer que eu pense? – ele rebateu nem um pouco comovido com as minhas lágrimas – Você é o bicho mais misterioso que já encontrei na vida! O que sei de você? Nada! Tudo é respondido com evasivas! Quantas vezes você esteve na minha casa, comeu, bebeu, dormiu? Você, Pauline, nunca permitiu que eu entrasse no seu apartamento.
Cruzes. Eu nunca tinha percebido que as coisas estavam tão evidentes assim.
− E se você sequer permite que eu vá à sua casa, é porque algo me esconde.
Sim, eu escondo minha irmã, que por sinal é sua prima. Como eu.

Naquele domingo, Rafa não estaria em casa...

− Vem aqui agora, então – desafiei-o cheia de coragem – Está na hora mesmo de você conhecer onde mora a mulher que mais lhe ama no mundo.
− Estou indo agora.