domingo, 9 de dezembro de 2012

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 64)


A semana fatídica começou com uma segunda-feira chuvosa e fria, péssimo clima para alguém depressiva como eu. A única coisa que me salvava era o meu trabalho, que me distraía e ocupava. Nos raros momentos em que eu ficava sem ter absolutamente nada para fazer, meus pensamentos voavam em direção ao Nando. Isso era inevitável e muito dolorido. Por uns dois dias fiz hora extra na agência porque era insuportável voltar para casa à noite. Pelo menos Rafaela estava de bem comigo. Sabendo do meu terrível estado de ânimo, quem se mudou para lá foi Guto e assim ficaram os dois me fazendo companhia. E eles se esforçavam demais para me animar… sem sucesso algum.

Apesar de tudo, esperei por todas as ligações possíveis do Nando. Entrei direto no Facebook dele para conseguir pegar alguma coisa nova. Mas nada acontecia. Desesperada que estava à medida que a semana passava e o silêncio permanecia, enviei uma mensagem de celular a ele pedindo desculpas. Não houve retorno. E por mais que eu soubesse que a minha decisão de provocar o rompimento havia sido correta, meu coração ordenava que eu tentasse voltar para ele.

Ao mesmo tempo eu pensava muito nas coisas que Rafaela tinha dito. Tomar minha vida de volta. Ou quem sabe fazer algo diferente em outro lugar, simplesmente sumir. Aliás, a ideia de sumir era cada vez mais recorrente e eu fantasiava com esta possibilidade. Se eu sumisse da face da terra, será que o Nando sentiria minha falta? Melhor, será que ele me procuraria? Nossa, que saudade eu sentia dele.

O ápice do meu desespero aconteceu na madrugada de sexta-feira para sábado. Tive um pesadelo terrível, tão real que quando acordei meu coração batia ferozmente.

Sonhei que Nando estava morto.

A dor foi tão verdadeira, as lágrimas, abundantes. Me acordei chorando e com falta de ar. Depois que me convenci que era somente um pesadelo de dimensões catastróficas, pulei da cama e liguei o computador. Talvez ele houvesse sofrido um acidente na madrugada ou sido assassinado e seu espírito tentado uma comunicação comigo. Tudo era possível, até para quem não acreditava em espiritismo.

Aquela droga de computador custou a ligar. Entrei no site de notícias que eu costumava acessar e verifiquei as manchetes, em pânico. Nando não havia morrido. Pelo menos sua morte não havia sido noticiada até aquele momento.
Voltei para cama mais aliviada, porém nada satisfeita. Eu sentia uma coisa entalada na minha garganta. Olhei para o relógio. Nove horas da manhã. Onde ele estaria hoje, sábado, véspera da festa?

No clube.

Eu precisava desesperadamente falar com o Nando. Queria apenas ouvir sua voz, nem que fosse para me execrar. Segurei meu celular com as mãos trêmulas e liguei para meu ex. Caiu na caixa postal. Esbravejei todos os palavrões possíveis. Tentei meia hora mais tarde. Novamente desligado.

Naquela altura já não bastava ouvir a sua voz. Eu precisava vê-lo. Corri até o computador outra vez para ler as notícias atualizadas. Nada. Ele devia ainda estar vivo. Mais vivo do que eu.

Rafaela havia saído para estudar na casa de uma colega, portanto eu estava sozinha e livre para tomar qualquer atitude sem a interferência de ninguém. Procurei o telefone da sede campestre do clube e liguei para a secretaria. Minha intenção era descobrir se alguém da família estava por lá, conferindo os preparativos. Até onde Nando tinha me contado, a decoração era uma espécie de surpresa para minha tia. Supus, então, que ela não estaria na área. Meu tio, provavelmente, ficaria ocupado com a esposa e a parentada que estava chegando. Assim, só sobraria o Nando. Era ele, entre os três filhos, quem mais estava envolvido com a festa. No clube não souberam me informar coisa nenhuma, mas eu já tinha a ideia fixa de ir até lá.

Peguei um ônibus que me deixou a uns dois quilômetros do local. Felizmente achei um ponto de táxi pertinho de onde eu tinha descido e que me largou exatamente na frente do clube. Na entrada tive que me identificar e demonstrando uma firmeza que eu não sentia, declarei-me como a nora do casal que estava promovendo a festa no dia seguinte. Na mesma hora deixaram-me entrar. Segui o caminho indicado, sentindo minhas pernas tremerem a cada passo. À medida que eu me aproximava, pensei que Nando poderia ser capaz de ser estúpido comigo e não deixar que abrisse a boca sequer para me explicar. Não esperava bons modos por parte dele, porém não suportava a ideia de ser rechaçada. Enfim, com a boca seca e com o estômago doendo, fui chegando cada vez mais próximo do salão. Em volta tudo estava sendo preparado para a festa. O palco para a banda, a pista de danças, a piscina enfeitada. Eu percebi vozes vindas de dentro do salão, mas não as identifiquei. A vontade maior era de dar meia volta e sair correndo, mas seria muita fraqueza minha chegar naquele ponto e não fazer absolutamente nada. Eu escutava as batidas do meu coração quando cruzei portas do salão. As vozes cessaram. Nando não estava ali.

De repente, meus olhos se cruzaram com os do meu tio. Eu levei alguns segundos para me recompor. O pessoal da produtora de eventos afastou-se, pressentindo o clima estranho que se formara. Com aquela eu não contava. Ele levou algum tempo para articular a primeira frase e por este breve tempo alimentei a esperança de ele não haver me reconhecido.

− Paulinha?

Gelei até os ossos. Eu estava acabada. Não consegui responder.

− Paulinha! O que você está fazendo aqui? Trabalha no clube?

Não poderia eu dizer que ele estava zangado ou incomodado com a minha presença.  Surpresa era o que melhor lhe descrevia.

− Oi, tio – consegui finalmente falar com a voz rouca.

Ele se aproximou um pouco e eu ligeiramente me encolhi. Tinha esquecido que ele era um homem alto e seus olhos frios me amedrontaram.

− É coincidência você estar aqui hoje?
− Não, tio. Não é.

Enxuguei discretamente minhas mãos na calça. Respirei fundo e revelei:
− Eu namoro o Nando. Ou melhor, não namoro mais.

Meu tio empalideceu na mesma hora. Lentamente, olhando-me de alto a baixo, ele murmurou:
− Agora eu entendo porque você sempre nos evitou.

Para piorar a situação, minha tia apareceu do nada. Parou-se ao lado do marido e olhou-me estranhamente. Ela parecia estar a ponto de ter um estalo e me reconhecer.
− Quem é esta moça? – fazendo uma pausa, minha tia me encarou e perguntou – Ela é…?
− Sim, ela é a filha do meu irmão.

Minha tia voltou-se para mim bruscamente.
− Paulinha? O que você veio fazer aqui?
− Ela que é a namorada do Nando – explicou meu tio com uma expressão nada satisfeita.

A mulher recuou uns dois passos, tamanho o golpe. Eu fiquei calada, olhando de um para o outro, sem saber o que dizer ou fazer, totalmente perdida.
− Você? Namorando meu filho? Seu primo?

Eu não queria acreditar que o destino pregara uma peça em todos nós. Com a voz ligeiramente trêmula, tentei explicar:
− Eu não namoro mais o Nando, entenderam? Porém, eu preciso vê-lo, preciso saber se ele está bem! – no meu desespero minha voz saiu estridente demais.

Senti um movimento no ar e automaticamente me voltei para trás. Nando e Ricardo haviam chegado a tempo de escutarem minha última frase. O ar me faltou quando eu o encarei. Nando ficou surpreso ao me ver ali e não demonstrava, até aquele momento, estar com raiva de mim.

Meu tio então deu a estocada final. O momento que eu mais temia finalmente aconteceu, vindo através das palavras dele:
− Você sabe quem é esta moça, Fernando?

Meus olhos se cravaram mais ainda no Nando, ansiando por sua resposta. Percebendo que algo estava fora do lugar, ele devolveu a questão:
− Quem é ela?
− Você sabia que esta moça é filha do seu tio?

Os olhos dele atravessaram a minha alma, enquanto um silêncio mortal se fez no salão. Eu o encarava aterrorizada, podendo ver no seu rosto que ele voltava ao passado, tentando adaptar minha aparência atual ao que eu era há mais de quinze anos. De repente ele piscou e foi nítido perceber que a ficha finalmente havia caído. Nunca senti tanta frieza em um olhar. Ou mesmo aversão.

− Você sabia, Fernando, que estava mantendo um relacionamento com sua própria prima?

Vagarosamente, balançando a cabeça, Nando respondeu com ódio na voz:
− Não, eu não sabia.

Eu podia ter tentado me defender, contudo me faltavam forças para isto. Nando me encarava, quase sem poder acreditar no que estava acontecendo. O mais triste de tudo era ver o ódio estampado nos olhos dele. A partir daquele momento era seguro afirmar que eu havia perdido meu amor para sempre.

Tudo se movia muito lentamente. Meu choque me deixou grudada no chão, eu não conseguia me mexer para lado nenhum. Havia a possibilidade de fugir, mas para isto eu deveria tentar sair do meu atordoamento mental. Então ouvi uma voz. Ela parecia vir de longe, quando na verdade estava perto demais. Era meu outro primo que gritava:
− Não, Nando! Não faça isto!

Quando me dei conta, eu estava sendo arremessada de encontro a uma mesa, rolei por cima dela e fui parar do outro lado estatelada no chão. Senti uma dor horrível no pulso e escutei gritos histéricos. Nando apareceu na minha frente e eu olhei para ele aturdida. Desfigurado, ele me juntou entre as cadeiras, como se eu fosse uma pluma. Levei duas bofetadas do Nando, uma em cada lado do rosto. Senti o sangue escorrer dos meus lábios e só não apanhei mais porque ele foi contido pelo pai e pelo irmão.

Era inacreditável, eu tinha apanhado do Nando. Minhas lágrimas se misturaram ao meu sangue, enquanto eu segurava o pulso, encarando-o sem poder entender o tamanho daquela agressividade. Que sonho horrível, disse para mim mesma, como eu queria acordar agora.
− Você tentou se infiltrar na minha família para terminar de dar o golpe que seu pai começou! – berrou Nando, tentando se soltar e continuar a pancadaria.

Tentei dizer que não, porém meus soluços impediram. Meu tio o segurou pelos ombros, interpondo-se entre nós dois.
− Fernando, pare com isto! Como você pôde bater na sua namorada? Não seja covarde!
− Jamais deveria ter me envolvido com uma mulher da sua espécie! – sibilou o homem que eu amava, tentando se soltar dos braços do pai, disposto a continuar a me bater.

Dei as costas e fui embora. Passei cega de dor pela minha tia, que chorava encostada em uma coluna. Saí cambaleante pelos jardins do clube, gemendo de dor, chorando de tristeza. Não cheguei a andar dez metros. Mãos fortes me ampararam antes que eu desabasse de vez. Era Ricardo. Sem dizer nada, ele me conduziu até o carro, fez com que eu entrasse e deu a partida.


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