Desci
os degraus, mal equilibrada nos saltos altos das minhas sandálias chiques e
desconfortáveis. Alguém que não me conhecesse poderia afirmar que era pura
elegância. O fato é que eu sempre detestei salto alto e eu não sabia andar
direito. Porém, de alguma forma, eu consegui enganar o Nando. Quando ele me
viu, veio apressado me receber, muito gentil e educado. Trocamos um rápido
beijo e depois meu amor me elogiou, ajudando-me a entrar:
−
Você está linda.
−
Preferia que você dissesse que estou praticamente irreconhecível.
Seria
bem melhor escutar isto. Nando deu a partida no carro e eu comecei a prestar
contas.
−
Com a grana que você me emprestou, comprei o vestido, as sandálias e ainda
sobrou para dar uma chegadinha no salão. No final do mês, quando eu…
−
Espere. – ele me interrompeu – Não estou cobrando.
−
Mas eu me sinto melhor dizendo a você onde eu empreguei o seu dinheiro.
−
Você tem muito bom gosto.
Cada
elogio dele me enchia de orgulho, apesar do tumulto que havia dentro de mim.
Cautelosamente retruquei:
−
Não posso bancar a esquisita na frente dos seus amigos.
−
Eles não dão bola para isso.
−
Seus amigos têm namoradas. E elas podem ser cruéis. Ah, e você tem amigas que
até onde eu sei são amigas também da sua ex.
−
Esqueça.
−
Já esqueci.
Nossa
ida até o Caribbean foi tranquila. Nando estava de ótimo humor. E eu explodindo
de ansiedade e terror. Eu agradecia a todos os santos pelos pais dele não terem
chegado ainda e assim não estarem presentes para nos recepcionar na chegada.
Meu medo me consumia. Minhas mãos estavam geladas.
Nando
deixou o carro com o manobrista e segurou minha mão. Ele me encarou surpreso e
comentou:
−
Você está com as mãos frias.
−
Estou nervosa – admiti.
A
palavra correta era pânico. Senti meus joelhos tremerem a cada passo que eu
dava no interior do Caribbean. Antes de encontrarmos com o aniversariante,
Nando foi parado diversas vezes. Os amigos que ainda não me conheciam
olhavam-me com alguma curiosidade. Aconteça o que acontecer, pensei eu, pelo
menos estou no mesmo nível que as mulheres daqui.
Um
rapaz apareceu ao nosso lado e eu identifiquei-o como meu primo mais novo, o
Maurinho. Com este não haveria problema. Provavelmente nem sabia da existência
do tio ladrão e da sua família fujona. Cumprimentou-me alegremente e apresentou
sua namorada, uma garota maluca chamada Carol. Com um copo na mão, ela parecia
pronta para começar a se divertir, sem pensar nas consequências. Então de
repente fiquei frente a frente com o Ricardo. Nando o abraçou fortemente e em
seguida fez as apresentações:
−
Mano, esta é a Pauline. Pauline, este é o Ricardo.
Por
dois longos segundos os olhos dele ficaram cravados nos meus, como se buscasse
na memória quem era aquele rosto conhecido. Gelei. Contudo, antes que Ricardo
tivesse um estalo e se flagrasse que éramos parentes, eu me adiantei e dei-lhe
dois beijos no rosto, parabenizando-o.
−
Não conheço você de algum lugar? – perguntou ele.
−
Não – respondi imediatamente, com a voz mais aguda, de puro terror – Eu acho
que nunca vi você.
Nando
não esteve atento à troca de diálogos, pois outra pessoa já o tinha puxado para
uma conversa. A mulher do meu primo estava ali e eu a cumprimentei também.
Então Carol parou ao meu lado, com o copo na mão.
−
Você gosta de dançar? – berrou ela por causa da música alta.
−
Adoro! – menti. Eu precisava sair correndo dali.
−
Então vamos lá!
Carol
me puxou pelo braço e me arrastou para a pista. Ela estava “alta” e eu
pretendia ficar igual. Bêbada, eu teria mais coragem de agir, ao invés de ficar
paralisada pelo terror. Eu o-dei-o música eletrônica, mas eu não tinha opções.
Caí na pista, tirei a sandália e eu e Carol começamos a dançar animadamente. Um
garçom apareceu e Carol pegou uma bebida para mim e mais outra para ela.
Maurinho dançou algumas músicas conosco. Nando apareceu depois um pouco
preocupado. Nunca tinha me visto beber e em meio à música alta, perguntou:
−
Você não quer comer nada?
−
O quê?
−
Não está com fome?
−
Não!
Aproximando-se
de nós, Carol convidou:
−
Ei, Nando! Venha dançar com a gente.
Ele
balançou a cabeça negativamente.
−
Dançar está música de loucos? – e dirigindo-se a mim recomendou-me no ouvido –
Não vá beber demais. Esta garota é doida. Não vá atrás dela.
Nos
beijamos rapidamente e Nando foi ficar junto da sua turma que nada tinha a ver
comigo. Legal mesmo era Carol. Ela bebia sem parar e não dava mostras de estar
entrando em coma alcoólica.
Uma
hora depois, chacoalhando sem parar, Carol perguntou aos berros:
−
Você gosta de pagode?
−
Não escutei!
−
Pa-go-de! Você curte?
−
Adoro!
Mentira.
−
Vamos para o terceiro piso! Lá rola direto!
Era
tudo o que eu precisava. Não demoraria muito e os pais do Nando iriam chegar e
eu precisava estar longe, perto de alguma rota de fuga. Novamente Carol me
arrastou escadas acima e eu nem me dei ao trabalho de avisar o Nando. Peguei um
petisco no bar e caímos no pagode.
Felizmente
Carol era uma professora e tanto. Ela me ensinou alguns passos e eu aprendi
rapidinho. Não fosse a tensão que me destruía, eu estaria me divertindo horrores.
De
repente Carol parou de dançar e começou a procurar freneticamente o celular
dentro da bolsa. Olhando no visor uma mensagem recebida, ela me disse com a
expressão séria:
−
É o Maurinho. Os pais dele chegaram e ele está nos chamando.
Meus
joelhos faltaram.
−
Você já os conhece? – ela me perguntou.
−
Não.
−
Prepare-se. São uns chatos. Vamos.
Desta
vez ela não me pegou pelo braço. Carol tomou a dianteira e fomos atravessando
aquele mar de gente. Ninguém podia adivinhar que eu estava passando muito mal.
No segundo andar, reparei que havia uma porta de saída.
Foi
por ali que fugi.
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