quarta-feira, 17 de outubro de 2012

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 54)


A voz aveludada do Nando trouxe de volta a minha vida a dois com ele. Se fôssemos somente nós, se não tivéssemos família, seríamos felizes para sempre.
− Não estou pensando em nada a não ser no dia escabroso que tive hoje – dei um suspiro tentando desviar o assunto – Achei que passaria alguns dias internada até me recuperar.
− Também achei – confessou ele – Você estava horrível quando cheguei.
− Melhorei depois que olhei para você.
− Você está querendo dizer que não sou tão feio assim?
− Estou afirmando que você é o cara mais lindo do mundo.

Ficamos jogando conversa fora até chegarmos a casa dele. Fui tomar banho enquanto Nando preparava algo para comer. Quando saí, enrolada em uma toalha, encontrei um pote de sorvete em cima da mesa. Eu sempre adorei sorvete.
− Comprei só para você – disse ele sorrindo.

Cheguei a sentir um apertinho na garganta e uma pontada de culpa me cutucando o coração. Sorri para disfarçar ao mesmo tempo em que ele me servia de uma quantidade generosa. Sentamos bem juntinhos no tapete peludo da sala e ele recomendou:
− Coma tudo – recomendou Nando – Acho que você emagreceu.
Sim, eu tinha emagrecido. Ser apaixonada por ele era a mesma coisa que seguir uma dieta poderosa.
− Depois de hoje o que você poderia esperar?
− Antes de hoje. Você já vinha perdendo peso.
Fiquei muda esperando que o assunto se desviasse. Não deu certo.
− Por que você não me conta?
Evitei olhar para ele. Continuei comendo, já sentindo as lágrimas inundarem meus olhos.
− Não há nada para contar.
− Conte-me o que está fazendo você chorar.
Ele me puxou para mais junto do seu corpo. Pisquei para afastar as lágrimas malditas e as desgraçadas acabaram escorrendo pelo meu rosto.
− Briguei com a Rafa – eu disse lambendo a colher do sorvete, fazendo força para que minha voz se mantivesse firme. Não tive sucesso.
− Por minha causa?
Aquela pergunta foi outro choque que me fez doer o estômago novamente. Respondi rápida:
− Não.
Foi o “não” mais falso que proferi na vida.
− A discussão foi grave?
− Não.
− Então por que você ficou tão abalada a ponto de chorar? Ou de ir parar em um hospital?
− Não me abalei – funguei.
− Pauline, você pensa que eu sou burro?
Olhei para ele com os olhos arregalados. Meu Deus! Ele já sabia de tudo!
− Seus olhos… Eu posso ler tudo o que se passa com você através dos seus olhos.
Tentei fazer uma piadinha, mas as lágrimas não me respeitavam mais. Murmurei:
− Não sei se gosto disto.
− Você está sofrendo. E está escondendo alguma coisa de mim.
− Não estou escondendo nada. E muito menos sofrendo – e em seguidacomecei a chorar.

Talvez aquele fosse o momento de contar tudo para o Nando. As horas seguintes em que passamos abraçados com ele me consolando ternamente do pavor que me afligia, teriam sido ideais para que eu confessasse e conseguisse algum perdão. Mas eu fui fraca. Não tive coragem de ir em direção à verdade e mergulhei cada vez mais fundo na farsa que era nosso relacionamento. Eu sentia os braços dele ao meu redor, tão protetores, tão quentes, tão amados. Nunca – nem que vivesse mil anos – eu encontraria um homem igual ao Nando. Ele era o homem da minha vida e eu não sabia se ele tinha noção disso. Ou se suspeitava da dimensão do meu amor. Até quando Fernando seria meu?

Até quando?


Acordei no dia seguinte com os raios de sol entrando pela janela do quarto. Dei de cara com o Nando sentado na beira da cama olhando-me atentamente. Fiquei sem jeito. Tive a impressão que ele estava me analisando, tentando descobrir coisas sobre mim.
− Ei! – murmurei – Não foi trabalhar ainda?
− Não, enquanto não tiver certeza que você está bem.
− Acho que estou bem – respondi esperando que fosse verdade - Tenho que dar um jeito de aparecer na agência antes que me ponham para a rua sem sequer estar contratada.
− Fiz suco de melancia. Você quer?
− Claro que sim.
Eu fui lavar meu rosto para tentar apagar a minha cara de doente. Não deu muito certo. Mas quando voltei para o quarto, o Nando já tinha levado o suco em uma bandeja, juntamente com torradinhas. Achei o máximo.
− Nando – declarei eu enchendo a boca de torrada – Acho que me garanto sozinha. Você pode me deixar em casa e...
Ele começou a balançar a cabeça
− Já avisei que só vou aparecer no banco à tarde. Isto é, caso você esteja bem.

Parecia haver um rombo no meu estômago, já que na noite anterior eu passei mais tempo chorando que comendo sorvete. Esperava sinceramente que ele não mencionasse nada que me fizesse ir às lágrimas em segundos. Ele arrematou:
− Temos bastante tempo só para nós dois.
Cheguei a me arrepiar. Era muito fácil ser feliz com o Nando. Gostaria que o mundo não existisse. Inclinei-me e beijei-o nos lábios. Sussurrei:
- Você é o melhor namorado do mundo.

Enfim, ficamos a manhã toda sem fazer absolutamente nada. Assistimos a um DVD, conversamos, lemos jornal. Ao meio dia saímos para comer alguma coisa bem leve e em seguida ele me deixou na agência. O resto da semana transcorreu normalmente. Não falei mais com a Rafa. Minha irmã não me ligou e nem pensei em telefonar para ela. O único dia da semana em que dormi em casa foi quando o Nando saiu com os amigos para jogar conversa fora. Fui finalmente efetivada na agência e meu pai já estava quase cem por cento recuperado, tendo voltado a trabalhar no armazém meio turno. Tudo corria às mil maravilhas na minha vida e no meu relacionamento construído sobre falsos alicerces. Eu já conseguia me sentir mulher do Nando quando esquecia que nós éramos parentes. Era um sonho, eu afirmava para mim mesma, sempre que me via ao lado dele, fazendo amor ou simplesmente olhando para seu rosto. Um sonho que estava muito perto de se tornar um pesadelo.


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