Deram-me
alta perto das vinte horas. Estava melhor, sem tonturas pelo menos. Apenas
fraca e com fome. Como esperava, o Nando perguntou se eu queria ir para o
apartamento dele e aceitei no ato. Porém, antes eu precisava passar em minha
casa e pegar uma roupa decente. Ainda pretendia trabalhar no dia seguinte, nem
que estivesse morrendo. Além de tudo isso, havia minha irmã. Queria urgente ver
a Rafa e confirmar se havia algo mais a ser revelado. Eu esperava ardentemente
que não.
Combinei
de ligar para o Nando logo que estivesse pronta. Enquanto meu namorado passava
na casa de um colega para buscar um documento, eu me enchi de coragem para
enfrentar Rafaela. Eu tinha quase certeza de que ela estava em casa.
E
estava mesmo. Ela via televisão e mal me olhou quando abri a porta. A
indiferença dela me abalou. Isso queria dizer que nossa briga não havia sido
superada.
−
Oi – cumprimentei sem ter nada melhor para dizer.
−
Como você está? – perguntou ela sem me encarar.
−
Meio fraca ainda.
Silêncio.
Dei um tempo e o silêncio continuou. Fui até o quarto pegar a roupa e quando
voltei para a sala carregando a mochila, Rafa perguntou arqueando uma
sobrancelha:
−
Você vai para o apartamento dele?
−
Vou.
Ela
fez uma pausa e voltou à carga:
−
Ele deve amar mesmo você. Muito.
Gostei
demais de ouvir aquilo.
−
Por quê?
−
Porque ele ficou louco quando eu disse que tinha encontrado você no banheiro
desacordada. Percebi que nosso primo ficou alterado quando soube da notícia. E
depois o Guto contou que ele simplesmente o despachou quando chegou ao hospital
somente para ficar sozinho com você.
−
Ele não é meu primo – cortei – É meu namorado.
Cansadamente
Rafaela perguntou:
−
Até quando vai levar isto?
−
Até onde existir amor.
−
Você não tem ideia, Paulinha, da confusão em que você está se metendo.
Comecei
a me irritar.
−
Me deixa, Rafaela. A vida é minha.
−
Não neste caso. Seu relacionamento com nosso primo irão trazer consequências
trágicas para nossa família e para a dele também.
−
Eu não tenho nada a ver com rixas do passado. Eu vivo o presente e o meu futuro
é com o Nando.
−
Paulinha, o passado ainda não acabou. Não para nós.
−
Pois bem, eu não quero saber se o tio roubou meu pai. Posso lidar com isso e,
se for o caso, colocar uma pedra por cima de toda essa história.
−
Nosso tio não roubou ninguém.
Aquela
revelação veio bruscamente. Encarei Rafaela aturdida:
−
O que você disse?
−
Foi o contrário. Nosso pai tentou passar a perna no pai do Nando. Só que deu
tudo errado. Para não ser preso, papai resolveu sumir e nos levou junto.
Foi
como um soco no estômago. Percebi que estava branca como cera.
−
Por muito pouco nosso pai não os deixou na miséria. Nosso tio ameaçou nossa
família, Paulinha. Ameaçou acabar conosco. Você acha que papai queria que
viéssemos estudar aqui? Ele morre de medo que a gente tope com algum deles! Por
que você acha que nossa mãe entrou em depressão quando fugimos daqui? De
desgosto pelo mau caratismo do papai!
Eu
não queria acreditar em nada daquilo. Era chocante demais. Desde os meus seis
anos eu acreditava piamente que o responsável pela nossa derrocada tinha sido
meu tio. Mas não. O grande vilão era – e sempre tinha sido – o meu próprio pai.
−
E o que acontece quando você vem para cá? Sai correndo atrás do seu primo. E
não contente de ser apenas uma transa, você ainda pensa em casar. O que você
acha que vai se passar quando o Nando descobrir sua verdadeira identidade? Você
pensa que o amor de vocês sobreviverá a isso? Seguramente seu namorado vai
odiá-la por ser filha do homem que quase levou a mãe dele ao suicídio e por
você tê-lo trapaceado por tanto tempo.
Se
Rafaela esperava que eu contra argumentasse enganou-se redondamente. Eu não
tinha voz para falar uma sílaba que fosse. Meu mundo tinha caído e se eu
ficasse um dia sem o Nando não sobraria pedra sobre pedra.
Meu
celular tocou. Era ele. Atendi trêmula.
−
Oi, amor.
Ele
estranhou minha voz.
−
Tudo bem?
−
Tudo.
−
Estou aqui embaixo.
−
Vou descer já.
Saí
correndo do apartamento, a verdade sobre minha família explodindo no meu
cérebro. E antes que eu fechasse a porta, escutei a última praga lançada pela
minha irmã.
−
Não pense que eu vou ficar ao seu lado quando o castelo desmoronar.
Desci
os degraus me amparando no corrimão. A discussão e o segredo revelado me
abalaram tanto que quando entrei no carro minhas pernas estavam fracas, quase
faltando. Nando, reparando nos meus lábios brancos, indagou preocupado:
−
Você está se sentindo mal de novo?
Balancei
a cabeça, fazendo que não. Respondi com dificuldade:
−
Acho que é fome.
Meu
amor arrancou com o carro. Era uma meia mentira. Eu sentia fome, sim. E isto
era ótimo, fisicamente eu estava
melhorando. Entretanto, eu não estava conseguindo assimilar as coisas
horríveis que eu soubera sobre meu pai. Ele tinha tentado destruir a vida do
meu tio e, por consequência, a do Nando também. Isso era simplesmente pavoroso.
Eu gostaria que Rafa estivesse mentindo, mas agora muitas peças soltas
começavam a se encaixar. Frases soltas no ar, gestos, atitudes, conversas em
código. Era tudo verdade. Gostaria que meu pai estivesse arrependido de tudo o
que causara. E será que meu tio estaria disposto a perdoar?
−
Quantos reais você quer pelos seus pensamentos?
Caramba... que reviravolta.
ResponderExcluirVai ficando cada vez mais difícil Pauline poder contar a verdade a Nando. Curiosa pelos próximos capítulos.