A
semana fatídica começou com uma segunda-feira chuvosa e fria, péssimo clima
para alguém depressiva como eu. A única coisa que me salvava era o meu
trabalho, que me distraía e ocupava. Nos raros momentos em que eu ficava sem
ter absolutamente nada para fazer, meus pensamentos voavam em direção ao Nando.
Isso era inevitável e muito dolorido. Por uns dois dias fiz hora extra na
agência porque era insuportável voltar para casa à noite. Pelo menos Rafaela
estava de bem comigo. Sabendo do meu terrível estado de ânimo, quem se mudou
para lá foi Guto e assim ficaram os dois me fazendo companhia. E eles se
esforçavam demais para me animar… sem sucesso algum.
Apesar
de tudo, esperei por todas as ligações possíveis do Nando. Entrei direto no
Facebook dele para conseguir pegar alguma coisa nova. Mas nada acontecia.
Desesperada que estava à medida que a semana passava e o silêncio permanecia,
enviei uma mensagem de celular a ele pedindo desculpas. Não houve retorno. E
por mais que eu soubesse que a minha decisão de provocar o rompimento havia
sido correta, meu coração ordenava que eu tentasse voltar para ele.
Ao
mesmo tempo eu pensava muito nas coisas que Rafaela tinha dito. Tomar minha
vida de volta. Ou quem sabe fazer algo diferente em outro lugar, simplesmente
sumir. Aliás, a ideia de sumir era cada vez mais recorrente e eu fantasiava com
esta possibilidade. Se eu sumisse da face da terra, será que o Nando sentiria
minha falta? Melhor, será que ele me procuraria? Nossa, que saudade eu sentia
dele.
O
ápice do meu desespero aconteceu na madrugada de sexta-feira para sábado. Tive
um pesadelo terrível, tão real que quando acordei meu coração batia ferozmente.
Sonhei
que Nando estava morto.
A
dor foi tão verdadeira, as lágrimas, abundantes. Me acordei chorando e com
falta de ar. Depois que me convenci que era somente um pesadelo de dimensões
catastróficas, pulei da cama e liguei o computador. Talvez ele houvesse sofrido
um acidente na madrugada ou sido assassinado e seu espírito tentado uma
comunicação comigo. Tudo era possível, até para quem não acreditava em
espiritismo.
Aquela
droga de computador custou a ligar. Entrei no site de notícias que eu costumava
acessar e verifiquei as manchetes, em pânico. Nando não havia morrido. Pelo
menos sua morte não havia sido noticiada até aquele momento.
Voltei
para cama mais aliviada, porém nada satisfeita. Eu sentia uma coisa entalada na
minha garganta. Olhei para o relógio. Nove horas da manhã. Onde ele estaria
hoje, sábado, véspera da festa?
No
clube.
Eu
precisava desesperadamente falar com o Nando. Queria apenas ouvir sua voz, nem
que fosse para me execrar. Segurei meu celular com as mãos trêmulas e liguei
para meu ex. Caiu na caixa postal. Esbravejei todos os palavrões possíveis.
Tentei meia hora mais tarde. Novamente desligado.
Naquela
altura já não bastava ouvir a sua voz. Eu precisava vê-lo. Corri até o
computador outra vez para ler as notícias atualizadas. Nada. Ele devia ainda
estar vivo. Mais vivo do que eu.
Rafaela
havia saído para estudar na casa de uma colega, portanto eu estava sozinha e
livre para tomar qualquer atitude sem a interferência de ninguém. Procurei o
telefone da sede campestre do clube e liguei para a secretaria. Minha intenção
era descobrir se alguém da família estava por lá, conferindo os preparativos. Até
onde Nando tinha me contado, a decoração era uma espécie de surpresa para minha
tia. Supus, então, que ela não estaria na área. Meu tio, provavelmente, ficaria
ocupado com a esposa e a parentada que estava chegando. Assim, só sobraria o
Nando. Era ele, entre os três filhos, quem mais estava envolvido com a festa.
No clube não souberam me informar coisa nenhuma, mas eu já tinha a ideia fixa de
ir até lá.
Peguei
um ônibus que me deixou a uns dois quilômetros do local. Felizmente achei um
ponto de táxi pertinho de onde eu tinha descido e que me largou exatamente na
frente do clube. Na entrada tive que me identificar e demonstrando uma firmeza
que eu não sentia, declarei-me como a nora do casal que estava promovendo a
festa no dia seguinte. Na mesma hora deixaram-me entrar. Segui o caminho
indicado, sentindo minhas pernas tremerem a cada passo. À medida que eu me
aproximava, pensei que Nando poderia ser capaz de ser estúpido comigo e não
deixar que abrisse a boca sequer para me explicar. Não esperava bons modos por
parte dele, porém não suportava a ideia de ser rechaçada. Enfim, com a boca
seca e com o estômago doendo, fui chegando cada vez mais próximo do salão. Em
volta tudo estava sendo preparado para a festa. O palco para a banda, a pista
de danças, a piscina enfeitada. Eu percebi vozes vindas de dentro do salão, mas
não as identifiquei. A vontade maior era de dar meia volta e sair correndo, mas
seria muita fraqueza minha chegar naquele ponto e não fazer absolutamente nada.
Eu escutava as batidas do meu coração quando cruzei portas do salão. As vozes
cessaram. Nando não estava ali.
De
repente, meus olhos se cruzaram com os do meu tio. Eu levei alguns segundos
para me recompor. O pessoal da produtora de eventos afastou-se, pressentindo o
clima estranho que se formara. Com aquela eu não contava. Ele levou algum tempo
para articular a primeira frase e por este breve tempo alimentei a esperança de
ele não haver me reconhecido.
−
Paulinha?
Gelei
até os ossos. Eu estava acabada. Não consegui responder.
−
Paulinha! O que você está fazendo aqui? Trabalha no clube?
Não
poderia eu dizer que ele estava zangado ou incomodado com a minha
presença. Surpresa era o que melhor lhe
descrevia.
−
Oi, tio – consegui finalmente falar com a voz rouca.
Ele
se aproximou um pouco e eu ligeiramente me encolhi. Tinha esquecido que ele era
um homem alto e seus olhos frios me amedrontaram.
−
É coincidência você estar aqui hoje?
−
Não, tio. Não é.
Enxuguei
discretamente minhas mãos na calça. Respirei fundo e revelei:
−
Eu namoro o Nando. Ou melhor, não namoro mais.
Meu
tio empalideceu na mesma hora. Lentamente, olhando-me de alto a baixo, ele
murmurou:
−
Agora eu entendo porque você sempre nos evitou.
Para
piorar a situação, minha tia apareceu do nada. Parou-se ao lado do marido e
olhou-me estranhamente. Ela parecia estar a ponto de ter um estalo e me
reconhecer.
−
Quem é esta moça? – fazendo uma pausa, minha tia me encarou e perguntou – Ela
é…?
−
Sim, ela é a filha do meu irmão.
Minha
tia voltou-se para mim bruscamente.
−
Paulinha? O que você veio fazer aqui?
−
Ela que é a namorada do Nando – explicou meu tio com uma expressão nada
satisfeita.
A
mulher recuou uns dois passos, tamanho o golpe. Eu fiquei calada, olhando de um
para o outro, sem saber o que dizer ou fazer, totalmente perdida.
−
Você? Namorando meu filho? Seu primo?
Eu
não queria acreditar que o destino pregara uma peça em todos nós. Com a voz
ligeiramente trêmula, tentei explicar:
−
Eu não namoro mais o Nando, entenderam? Porém, eu preciso vê-lo, preciso saber
se ele está bem! – no meu desespero minha voz saiu estridente demais.
Senti
um movimento no ar e automaticamente me voltei para trás. Nando e Ricardo
haviam chegado a tempo de escutarem minha última frase. O ar me faltou quando
eu o encarei. Nando ficou surpreso ao me ver ali e não demonstrava, até aquele
momento, estar com raiva de mim.
Meu
tio então deu a estocada final. O momento que eu mais temia finalmente
aconteceu, vindo através das palavras dele:
−
Você sabe quem é esta moça, Fernando?
Meus
olhos se cravaram mais ainda no Nando, ansiando por sua resposta. Percebendo
que algo estava fora do lugar, ele devolveu a questão:
−
Quem é ela?
−
Você sabia que esta moça é filha do seu tio?
Os
olhos dele atravessaram a minha alma, enquanto um silêncio mortal se fez no
salão. Eu o encarava aterrorizada, podendo ver no seu rosto que ele voltava ao
passado, tentando adaptar minha aparência atual ao que eu era há mais de quinze
anos. De repente ele piscou e foi nítido perceber que a ficha finalmente havia
caído. Nunca senti tanta frieza em um olhar. Ou mesmo aversão.
−
Você sabia, Fernando, que estava mantendo um relacionamento com sua própria
prima?
Vagarosamente,
balançando a cabeça, Nando respondeu com ódio na voz:
−
Não, eu não sabia.
Eu
podia ter tentado me defender, contudo me faltavam forças para isto. Nando me
encarava, quase sem poder acreditar no que estava acontecendo. O mais triste de
tudo era ver o ódio estampado nos olhos dele. A partir daquele momento era
seguro afirmar que eu havia perdido meu amor para sempre.
Tudo
se movia muito lentamente. Meu choque me deixou grudada no chão, eu não
conseguia me mexer para lado nenhum. Havia a possibilidade de fugir, mas para
isto eu deveria tentar sair do meu atordoamento mental. Então ouvi uma voz. Ela
parecia vir de longe, quando na verdade estava perto demais. Era meu outro
primo que gritava:
−
Não, Nando! Não faça isto!
Quando
me dei conta, eu estava sendo arremessada de encontro a uma mesa, rolei por
cima dela e fui parar do outro lado estatelada no chão. Senti uma dor horrível
no pulso e escutei gritos histéricos. Nando apareceu na minha frente e eu olhei
para ele aturdida. Desfigurado, ele me juntou entre as cadeiras, como se eu
fosse uma pluma. Levei duas bofetadas do Nando, uma em cada lado do rosto.
Senti o sangue escorrer dos meus lábios e só não apanhei mais porque ele foi
contido pelo pai e pelo irmão.
Era
inacreditável, eu tinha apanhado do Nando. Minhas lágrimas se misturaram ao meu
sangue, enquanto eu segurava o pulso, encarando-o sem poder entender o tamanho
daquela agressividade. Que sonho horrível, disse para mim mesma, como eu queria
acordar agora.
−
Você tentou se infiltrar na minha família para terminar de dar o golpe que seu
pai começou! – berrou Nando, tentando se soltar e continuar a pancadaria.
Tentei
dizer que não, porém meus soluços impediram. Meu tio o segurou pelos ombros,
interpondo-se entre nós dois.
−
Fernando, pare com isto! Como você pôde bater na sua namorada? Não seja
covarde!
−
Jamais deveria ter me envolvido com uma mulher da sua espécie! – sibilou o
homem que eu amava, tentando se soltar dos braços do pai, disposto a continuar
a me bater.
Dei
as costas e fui embora. Passei cega de dor pela minha tia, que chorava
encostada em uma coluna. Saí cambaleante pelos jardins do clube, gemendo de
dor, chorando de tristeza. Não cheguei a andar dez metros. Mãos fortes me
ampararam antes que eu desabasse de vez. Era Ricardo. Sem dizer nada, ele me conduziu
até o carro, fez com que eu entrasse e deu a partida.
goste muito \o/
ResponderExcluirquero+ rsrs
ResponderExcluirEspero q vc não demore para postar mais... Ansiosa
ResponderExcluir