Rafa
estranhou minha presença em casa naquele início de semana que antecedia à
Páscoa. Na segunda-feira limitou-se a falar comigo aos monossílabos somente o
que era preciso. No dia seguinte ela não suportou a curiosidade. Eu estava na
cozinha à noite preparando um lanche quando Rafa chegou de mansinho e fuzilou:
−
Brigaram?
Não
olhei para ela. Respondi enquanto cortava os tomates:
−
Ele está em São Paulo. Volta antes do feriadão.
−
Ah…
Não
demorou cinco minutos minha irmã retornou à cozinha e disse:
−
Esqueci-me de lhe dar um recado da mamãe.
−
Qual recado?
−
Ela pediu que você verificasse se tem alguma roupa que não lhe serve mais. É
para os pobres que ela ajuda, lá da nossa cidade.
Minha
mãe vivia fazendo caridade. E meu pai também.
−
Vou olhar. Você vai mandar por alguém?
Rafaela
me olhou estranhamente:
−
Nós vamos passar o feriadão lá.
−
Você e o Guto?
−
Eu, você e o Guto.
Larguei
tudo com um estrondo em cima da pia.
−
Como assim?
−
Paulinha! Qual evento se comemora no sábado?
−
A Páscoa. E é no domingo.
Minha
irmã ficou me encarando e eu sustentei o olhar. Ela não parecia entender alguma
coisa e eu tampouco.
−
É aniversário dela, Paulinha.
−
Dela quem?
Na
hora em que terminei de perguntar, me dei conta imediatamente do que Rafaela
queria dizer. O Nando me tirava completamente de órbita, todos meus pensamentos
eram para ele. Minha mãe faria aniversário no próximo sábado e eu havia me
esquecido completamente. Agora estava envolvida em uma bela confusão familiar.
−
Bom… eu não vou poder ir.
−
Como não? É aniversário da sua mãe!
−
Vou passar o feriadão em Florianópolis com o Nando. Não me lembrei do
aniversário dela.
−
Desmarque – Rafa praticamente ordenou.
−
Não vou desmarcar – revidei friamente.
−
É aniversário da sua mãe!

Eu
estava bem perturbada. Minha mãe não iria compreender coisa alguma.
−
Você prefere passar o feriadão da Páscoa com seu primo a celebrar com sua mãe?
Rafaela,
quando queria, era infernal.
−
Não é uma questão de preferir… Tudo bem, eu prefiro ficar com o Nando, sim!
Qual é o problema?
−
O problema é seu! Quer saber? Vá mesmo passar o feriado com seu primo. Pode ser
o último.
A
vontade que tive de esbofetear Rafaela foi tão grande que segurei minha mão a
poucos centímetros do rosto dela. Surpresa com a minha agressividade, Rafa saiu
da cozinha deixando que eu remoesse minha raiva e tentasse articular uma saída.
Não
encontrei saída alguma, mas decidi acabar com aquilo de uma vez por todas.
Peguei o celular e me tranquei no quarto. Meu coração batia desesperado,
enquanto eu efetuava a ligação. Minha mãe atendeu no segundo toque.
−
Oi, mãe. É Paulinha.
−
Paulinha! Tudo bem? Sua irmã me contou que você teve um pequeno probleminha
estomacal por esses dias.
−
Ah, não foi nada. Estou bem agora – minimizei.
−
Rafa lhe deu o recado?
−
Qual? – Tentei ganhar tempo.
−
Sobre as roupas velhas.
−
Ah, claro. Eu vou separar para você. Papai está bem?
−
Muito bem. Mas ele se queixa que só a Rafaela liga para cá.
Era
uma suave reprimenda. Minha mãe continuou:
−
Agora tudo vai se ajeitar e ele ficará mais tranquilo quando vocês chegarem no
feriadão.
−
Mãe, é sobre isto que quero falar com você.
Ela
ficou em silêncio do outro lado, como se pressentisse que viria uma notícia
ruim.
−
Eu não vou poder ir – disparei.
Mais
silêncio. Depois veio a pergunta, meio aflita:
−
Por que não?
−
Porque o Nando reservou uma pousada para nós em Florianópolis.
−
Você não informou ao seu namorado que neste fim de semana é meu aniversário? –
a voz dela era um iceberg.
−
Mãe, eu nem lembrei – confessei angustiada.
De
novo o silêncio. Isto era pior que mil sermões juntos.
−
Você esqueceu o aniversário da sua mãe?
−
Esqueci – confirmei de olhos fechados, esperando o porvir.
−
Pauline, estou decepcionada com você.
−
Mãe, olha só…
−
Este homem virou sua cabeça de tal forma que toda sua vida gira em torno da
dele.
−
O Fernando é uma pessoa maravilhosa – fiquei ofendida com as palavras dela, mas
reconhecendo a razão em todas as letras.
−
Acredito que seja. Ele fez com que você abandonasse a faculdade, perdesse o
estágio e passasse por cima do meu aniversário. Realmente, é o genro dos
sonhos.
−
Como o Nando iria saber do seu aniversário se nem eu lembrava?
−
Bem, Pauline, faça o que você achar melhor. Se para você é mais interessante
passar três dias ao lado do tal Fernando, então vá com ele. Quem sou eu para
impedir? Apenas sua mãe e nada mais que isto. Só não se esqueça das roupas.
Depois
de dizer isto ela desligou o telefone sem sequer se despedir. Chocada, fui até
a sala onde minha irmã assistia TV. Eu tinha certeza que ela escutara a
conversa. Furiosa, ameacei:
−
Se você abrir a boca e contar tudo para nossos pais vou acabar com sua raça!
Rafaela
nem piou e eu sabia que ela não se atreveria a falar qualquer coisa para eles.
Perdi a fome totalmente. Guardei a comida que eu preparava dentro da geladeira
e me tranquei no quarto.
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