Naquela
noite nada aconteceu. Vic saiu com Fred e eu dei graças a todos os santos.
Porém, no outro dia pela manhã eu me acordei angustiada. Sonhei com Nando, um
sonho muito real, as imagens eram nítidas, os diálogos verossímeis. Ele me
pedia que eu desse notícias, pois a falta que sentia de mim era enorme.
Chorei
alguns minutos antes de finalmente me levantar da cama. Eu pude sentir o toque
das mãos dele no meu rosto, queimando minha pele. E havia sido apenas um sonho!
Lavei o rosto várias vezes para espantar meus olhos vermelhos. Quando cheguei
na cozinha dei de cara com meu amigo. Ele preparava o café e me deu uma olhada
de soslaio. Perguntou:
−
Você está com sono ou chorou?
Victor
tinha a irritante mania de fazer perguntas embaraçosas. Sem jeito respondi:
−
Chorei.
−
Por causa dele?
−
Por quem mais seria?
−
Por mim.
Tive
que rir.
−
Tudo bem – ele disse – Sei que não sou tão importante assim na sua vida.
−
Pare de dizer besteiras. Você entendeu – fiz uma pausa e emendei – Eu sonhei
com o Nando.
−
Como foi?
Contei
com toda riqueza de detalhes e acabei chorando de novo. Sem se deixar levar
pelas minhas lágrimas, Victor disse:
−
Se quer saber, não estou com pena de você. Pauline, se você pode ter esse homem
de volta, por que não faz alguma coisa?
−
O quê? Eu apanhei dele... Nando me odeia.
−
Vamos ligar para ele. Escute a voz do Fernando. Caso se sinta encorajada, diga
que é você.
Pela
primeira vez não contestei aquela ideia maluca. Mas mesmo assim meu coração se
acelerou com aquela possibilidade.
−
Escute, Vic... Eu tenho medo que ele tenha alguém.
−
Isto é algo que você terá que enfrentar algum dia.
−
Mas eu pensei em algo diferente.
−
No quê?
−
Ele sempre sai para almoçar ao meio dia. Fica aproximadamente duas horas fora.
Se você ligasse para o banco em que Nando trabalha, podia sondar com a
secretaria se ele tem alguém.
−
Alguém… no caso, uma mulher?
−
Claro. Se o Nando estiver namorando, eu desisto. Fico aqui, seguindo minha
triste vida.
Victor
me encarou como se eu fosse uma retardada mental.
−
Se eu entendi direito, você quer que eu ligue para a secretária do seu
ex-namorado e pergunte se ele está namorando?
−
Em suma é isto. Mas eu confio nos seus talentos para desenvolver uma história
convincente e arrancar qualquer coisa da secretária.
Ele
fitou meus olhos ansiosos. Pelo menos era assim que eu me sentia. Ele sorriu e
concordou:
−
Tudo bem. Tente dar uma escapada por volta das 12h30min. Será que é um bom
horário?
−
Acho que sim – respondi nervosamente.
−
Então está certo – ele retrucou espreguiçando-se – Vou tomar meu suco e pegar
umas ondas. Volto um pouco antes do meio dia, está bem?
O
resto da manhã eu trabalhei sentindo meu coração pular dentro do peito. Tentei
dar o máximo de mim em cada coisa que eu fazia para não pensar nos próximos
acontecimentos. Simplesmente eu estava em pânico.
Encontrei-me
com Victor no escritório da pousada. Com as mãos geladas, entreguei o número de
um dos telefones do gabinete do Nando para meu amigo.
−
Este aqui não tem problema. O telefone não tem identificador de chamadas. A
mulher nunca vai saber que a ligação é interestadual.
−
Pelo meu sotaque ela vai saber.
−
Mas a secretária nem vai se tocar! Ligue de uma vez, Vic! Esta angústia está
acabando comigo!
Muito
calmamente, Victor discou os números mostrando-se muito confiante. No viva-voz
eu pude escutar tudo, sentindo o suco que eu tinha tomado às sete horas da
manhã subindo garganta acima.
Depois
de duas chamadas a secretária atendeu. Eu reconheceria aquela voz antipática
até no inferno:
−
Assessoria Jurídica, gabinete do Dr. Fernando, boa tarde.
Sem
pestanejar e empoando a voz, Victor começou sua atuação:
−
Boa tarde, eu gostaria de falar com o senhor Fernando.
−
O doutor Fernando está no almoço. Quem deseja, por gentileza?
−
Meu nome é Arthur, sou agente de viagens. Preciso confirmar a viagem do senhor
Fernando para o Panamá na próxima segunda-feira.
−
Viagem? – perguntou ela estranhando aquela conversa.
Eu
escutava a tudo, estática.
−
Exatamente. Gostaria de acertar alguns pequenos detalhes com o senhor Fernando
e com a sua esposa relativos à viagem. A que horas ele retorna, por gentileza?
Meu
Deus, pensei, branca. Agora ela vai abrir a boca e confirmar que o Nando casou.
−
Eu acho que o senhor ligou para o número errado.
−
Acredito que não, senhora. O senhor Fernando procurou nossa agência de turismo
e comprou um pacote para o Panamá para desfrutar uma segunda lua-de-mel com sua
esposa.
−
É um engano – retrucou a mulher secamente – O doutor Fernando não tem férias
marcadas, não é casado com ninguém e não tem qualquer interesse em conhecer o
Panamá.
Vibrei
como um torcedor que vê seu time ser campeão.
−
Este não é o telefone do senhor Fernando Ricardo?
−
Não, não é.
−
Então realmente cometi um engano terrível. Boa tarde, senhora.
E
Victor desligou o telefone. Ambos começamos a rir e eu desabei no sofá,
aliviada.
−
Só você mesmo para ter uma ideia assim. Puxa, então ele não casou. No máximo,
deve ter alguma ficante.
−
Na minha opinião você foi a última mulher dele.
−
Quem me dera…
−
E então? Vamos tentar o celular dele agora?
Empalideci.
−
Não. Deixe que eu me recupere desta ligação. Por favor. Por favor, Vic. Victor,
eu não quero que você faça isto!
Tarde
demais. Com o seu aparelho em punho, Victor discou o número do celular do
Nando, que eu havia lhe passado minutos antes. Em pânico, escutei, também pelo
viva-voz, o celular tocar mais ou menos quatro vezes. Então o Nando atendeu:
−
Alô?
Olhei
para Victor apavorada. Escutar a voz do Nando depois de meses era algo surreal.
Nando
fez uma pausa do outro lado esperando alguma resposta. Um pouco irritado ele
insistiu:
−
Alô? Com quem quer falar?
Victor
fez um sinal para que eu dissesse qualquer coisa. Mas mesmo que eu quisesse,
não tinha condições. Minha garganta se fechou na desesperada tentativa que eu
fazia para não me debulhar em lágrimas.
A
pausa foi maior desta vez. Quando Nando falou novamente, a voz dele já estava
em outro tom:
−
Será que eu posso ajudar você?
Imediatamente
eu desliguei o celular, com as lágrimas deslizando pelo rosto. Encarei Victor e
balbuciei:
−
Ele sabe que fui eu. E agora?
−
E agora? Que ótimo. Assim ele sabe que você não morreu e está querendo fazer
contato. Você não tem ideia o quanto seu amor vai esperar ansiosamente pela
próxima ligação.
−
Eu não vou fazer isto!
−
E por que não?
−
Ele não me ama.
−
Não lhe entendo. Pauline, você fez tudo para conquistar esse homem. Esperou por
anos para tê-lo ao seu lado. E então você foge como se houvesse matado alguém
e...
−
Vic, ele se apaixonou por mim porque não sabia quem eu era. Quando descobriu só
não me matou porque o pai e o irmão impediram.
−
Só que agora ele sabe quem é você. E não deixou de lhe amar, eu tenho certeza.
Mesmo
assim eu não me convenci com as palavras dele. Comecei a sentir um vazio dentro
do peito e um arrependimento terrível de ter ligado para o Nando e escutado sua
voz. Toda a minha depressão parecia voltar em ondas.
−
Ei, vai se entregar agora?
Lutei
para segurar minhas lágrimas e as engoli com certo esforço. Mas eu estava me
sentindo muito mal.
−
Não sei se terei condições de trabalhar assim. Sua mãe quer que eu fique na
recepção hoje.
−
Tudo bem, eu fico com você. Um dia vamos dar risada disto tudo.
Fiquei
a tarde toda na recepção e não foi de todo ruim. O telefone tocava a todo
instante, pessoas chegavam, saíam e consegui me concentrar no serviço, deixando
a tristeza escondida em algum ponto do meu coração. Quando fui liberada por
volta das sete horas da noite, eu podia escutar a voz do Nando reverberando no
meu cérebro.
Com
uma terrível dor de cabeça, eu não quis nem jantar. Fui direto para a cama,
sendo ladeada por Victor e Fred. Vendo a expressão do meu amigo, achei que ele
se sentia um pouco culpado por eu me encontrar naquela situação. De qualquer
forma, eu dormi em menos de dez minutos. Meu sono foi pesado e sem sonhos até o
horário próximo de me levantar. Então tive um pesadelo daqueles de arrasar o
coração de qualquer mortal. Sonhei que eu havia ficado frente a frente com o
Nando e ele simplesmente passara reto por mim, sem me cumprimentar,
ignorando-me totalmente. Acordei-me em seguida sentindo aquele vazio aterrador,
e desatei a chorar convulsivamente por uns quinze minutos. Ao cabo deste tempo,
levantei-me e me enfiei debaixo do chuveiro, esperando que a água fria levasse
embora a minha cara de vítima. Pelo menos a dor de cabeça havia passado, mas eu
não sentia a menor vontade de fazer coisa alguma.
Encontrei
com o Victor na cozinha lavando sua xícara. Ele perguntou:
−
Dormiu bem? Fiquei preocupado com você.
Fiz
um gesto de que estava tudo bem. Respondi:
−
Meu ex-namorado me causa alguns achaques… Não poderia ser diferente. Dormi bem
até agora de manhã, mas agora a pouco tive um pesadelo com ele.
-
Como foi?
-
Sonhei que nos encontramos em algum lugar e simplesmente fui ignorada.
Horrível, não? Não sei o que é pior... Ser absolutamente nada para o Nando ou
levar uma surra dele.
Victor
riu.
−
Não seja dramática.
−
Não estou sendo dramática! – protestei – Estes são os fatos. Uma ameba significa
mais para o Nando do que eu. Puxa, eu seria tão feliz se pudesse esquecê-lo!
Por que não aparece outro cara na minha vida?
−
Porque a história de vocês ainda não terminou. Eu já não disse isto antes?
−
Não me venha com esta de novo. Terminou sim. E com aquele enorme barraco...
−
Ei! Por que não liga para ele de novo?
−
Porque não quero me afundar mais ainda na minha depressão.
−
Bem, você quem sabe – disse ele olhando para o relógio – Estou atrasado para o
meu curso. Cuide-se. Se precisar do celular, me avise.
−
Não vou precisar – retruquei emburrada, enquanto ele me beijava a testa.
Passei
o resto do dia trabalhando como uma condenada. Eu precisava daquilo. Precisava
me distrair, me ocupar, ver outras pessoas, pensar coisas diferentes. Mesmo
assim, quando meu expediente terminou, senti-me terrivelmente sozinha.
Arrastei-me até o quarto arrasada. De repente me deu uma vontade incrível de
escutar a voz dele novamente. Só mais uma vez. Uma vez só. A última vez. Depois
disto eu me fecharia dentro de mim, tentaria partir para outra. Fiquei fazendo
mil promessas, procurando desculpas para escutar o som da voz do Nando. E eu
sabia que era tudo mentira, que meu amor jamais acabaria, pelo resto da vida eu
levaria a sombra daquele amor escondido dentro da minha alma. Tudo o que eu
fiz, eu fiz por amor. Mas ele jamais saberia do tamanho do meu sentimento. E
nem queria saber.