sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. FINAL)


Pisquei umas duas vezes para que meus olhos enxergassem direito. Havia um sósia do Nando ao lado dos meus amigos. Aquele cara, com barba por fazer e que vestia uma camiseta igual a que eu tinha dado em um passado recente para meu ex-namorado, olhava-me com uma expressão de assombro e de ceticismo. Jesus, não era possível. Não era o Nando em pessoa que havia ido até lá terminar a surra interrompida. Mas era impossível que aqueles olhos não fossem os dele, ninguém mais me olharia daquela forma no mundo. Só ele.

Tudo isto se passou em três segundos.

Então aconteceu. Minha perturbação foi tão imensa que perdi o equilíbrio. Eu não saltei da ponte. Eu despenquei dela. Quando me dei conta já estava no espaço vazio, o rio aproximando-se perigosamente de mim. Pensei que iria morrer, não sentia a corda elástica ao redor do meu corpo. Caí berrando o nome do Nando, sacudindo pernas e braços, finalmente voltando ao mundo real. Enquanto eu balançava de um lado para o outro, eu me perguntava se o homem que tinha visto não seria uma alucinação de minha mente desvairada. Afinal, como que o Nando poderia ter me encontrado em um lugar tão distante e escondido?

Victor. Só podia ter sido ele. Mas naquele momento eu não conseguia fazer maiores considerações sobre o caso. Meu corpo balançava sem controle, indo de um lado para o outro. Sei que subi e desci algumas vezes, uma sensação de caos total. Eu via o rio passando lá embaixo, pensava no Nando lá em cima. O povo todo devia estar rindo de mim, dos meus berros, do show gratuito que eu estava patrocinando. Eu torci para que não houvesse ninguém filmando aquelas cenas grotescas. Certamente eu seria campeã de audiência no You Tube.

Sem sombra de dúvidas, um enorme vexame.


Depois de uma eternidade, senti que estava sendo içada novamente para o alto da ponte. E agora? Eu teria que enfrentar o Nando e toda a sua ira e não estava preparada para o embate. E jamais estaria. Além disso, minhas pernas e meus braços estavam sem força nenhuma, o que significava que eu teria que ser carregada até o jipe. Sem falar no enjôo... se eu abrisse a boca era capaz de vomitar.

Por que não me deixavam ficar balançando de um lado para o outro pelo resto da minha vida?

Aos poucos fui chegando lá em cima com os olhos semicerrados. Obviamente causei sensação. As pessoas se aglomeravam por ali, certamente achando que eu estava à beira da morte. Quando me dei conta, estava deitada no chão, com vários pés a minha volta. Respirei fundo para não vomitar. Alguém se agachou ao meu lado e tocou no meu rosto.
− Ela está bem. Foi só o susto.

Nando. Abri os olhos devagarzinho e me deparei com os dele. Ficamos nos encarando por alguns segundos e ele acariciou suavemente meus cabelos. Controlei o choro, mas meus olhos se encheram de lágrimas. Bem, pensei, acho que me matar aqui ele não vai.
− Tem algum posto médico por perto?

Aquela voz firme que eu tanto amava ressoou nos meus ouvidos como se fosse música. Meu coração acelerou ainda mais. Lentamente, comecei a sentir meus braços e pernas, o que não significava que eu podia caminhar. Não podia. Ver o Nando ali, ao meu lado, era mais do que eu podia suportar em pé. Ouvi alguém comentar que sim, havia um posto médico improvisado e imediatamente eu saí do chão direto para os braços do Nando. Enterrei meu rosto no peito dele, enquanto atravessávamos aquele círculo de gente que havia se formado em nossa volta. A voz de Victor se fez ouvir:
− Não se preocupe, Fernando. Pauline só está assim porque não contamos para ela que você estava chegando.

Que complô meus amigos me armaram. De qualquer forma, estar sendo levada para o posto médico nos braços do Nando era o paraíso na terra. Eu mantinha meus olhos fechados um pouco pelo enjôo e principalmente porque eu não tinha coragem de encarar meu ex (?) namorado. O que ele estaria pensando daquilo tudo? Depois de tanto tempo sem me ver, Nando me encontra na beira de uma ponte, pronta para o salto. Será que ele pensava que eu estava procurando a morte? E será que não era isto que eu desejava e não podia admitir?
           

Deitaram-me em uma maca dentro de um espaço arranjado para servir de posto médico. Eu mal podia olhar para meu amor, enquanto a médica verificava minha pressão, minha temperatura e as batidas do meu coração. Tudo isso não levou mais que dez minutos. Durante todo esse tempo permaneci deitada, respirando fundo, ansiosa. As mãos dele ora acariciavam meu rosto, ora meus cabelos. Em algum momento, Nando segurou mais forte minhas mãos como se quisesse me tranqüilizar. Eu sei que deveria estar tranqüila, feliz e em paz. Mas eu não sabia o que viria dali para frente. Fernando tinha vindo me buscar? Ou queria saber apenas se eu estava viva para dar a notícia para meus pais?

De repente a médica disse:
− Ela só está um pouco nervosa. É bom que fique alguns minutos de repouso até se sentir em condições de ficar em pé novamente.

E dizendo isto a mulher saiu. Só restamos eu e o Nando dentro do lugar, nós dois à meia luz. Fechei os olhos e fiquei em silêncio, tentando procurar algo consistente para dizer a ele. Mas o nó da minha garganta impedia a articulação de qualquer frase.
− Abra os olhos, Pauline. E olhe para mim.

A voz dele soou horrível. Fui abrindo os olhos bem lentamente, com medo do que eu poderia encontrar. De fato, Nando me encarava como se fosse terminar a surra de cinco meses atrás.
− O que você fez?

Respirei fundo, mas não desviei os olhos dele. Minha vontade de chorar aumentou. Minha esperança de que o Nando tivesse me perdoado se esvaiu quando escutei o seu tom de voz frio. Engoli em seco e tentei me sentar. Fiquei tonta, mas acomodei-me em alguns travesseiros até que o mundo parasse de girar a minha volta. Novamente ele perguntou com seus olhos frios e sem desviar por um segundo dos meus:
− Por que você fez isto?

Puxei minha voz lá do fundo e respondi balbuciando:
− Eu… eu resolvi saltar… porque…
− Por que você fugiu?

Ah, então era isto. O Nando queria saber por que eu tinha desaparecido. Porém, será que era tão difícil saber a resposta?
− Pauline, pelo amor de Deus – murmurou ele, passando as mãos nos cabelos, mostrando uma angústia que eu ainda não conhecia – Por que você fugiu?

Meus olhos se encheram de lágrimas e, para minha surpresa, os dele também.
− Você não tem idéia do que causou. – ele confessou, com o rosto ligeiramente contorcido, o que me cortou o coração - Nem por uma vez você foi capaz de pensar na dor dos seus pais, da sua irmã? – Nando suspirou e completou – Na minha dor?
− Nando, eu… - tentei falar, mas fui interrompida por um gesto.
− Nada justifica isto – e ele aumentou o tom da sua voz – Nada justifica o que você fez. Meu Deus, por meses a fio pensamos que você havia morrido. Paguei detetives, mas nenhum foi capaz de encontrar seu rastro. Ninguém nunca viu você! Houve uma noite em que ligaram para meu celular...

Ele fez uma pausa e me encarou com os olhos marejados de lágrimas. As minhas próprias lágrimas já banhavam meu rosto e eu não fazia a menor questão de enxugá-las. Nando prosseguiu:
− Era a polícia dizendo que haviam encontrado um corpo com as suas características na beira da praia. Na mesma praia em que nos conhecemos.

Levei um choque. Imaginei o terror que ele havia passado. Nando e toda minha família.
− Saí desesperado pela estrada, dirigindo feito um louco. Não deixei que seu pai viesse conosco porque eu tinha medo do que ele pudesse encontrar.
− Você foi… sozinho? – eu até tinha medo de saber a resposta, enquanto uma crise de culpa se jogava em cima do meu colo.
− Meus irmãos foram comigo, pois ficaram com medo que eu me matasse na estrada – Nando fez uma pausa, como se reviver aquele drama fosse demais para ele – Mas quem estava lá era uma pobre infeliz que tinha o cabelo vermelho como o seu, mas possivelmente tinha tomado um porre e entrado no mar. E desde então, Pauline, cada vez que toca meu celular, eu atendo temendo que seja alguém me dizendo que você está morta, que um corpo foi encontrado e que tem semelhança com o seu… Imagine o que seus pais estão sofrendo... Rafaela não sabe mais o que fazer, passa os dias na janela esperando que você dobre a esquina. Não foi justo o que você fez conosco, Pauline. Não foi.

Era quase uma acusação. Então eu também resolvi falar.
− Eu fugi… - comecei, sentindo o choro subir garganta acima – Eu fiz o que fiz porque não pude suportar o fato de ter levado uma surra – podendo até mesmo ter sido morta – pelo único homem que amei.

Falei de uma vez só, antes que a voz e a coragem me faltassem. Nando me olhou surpreso e iria falar alguma coisa, mas eu não deixei.
− Me deixe terminar. Nando – respirei fundo – por você eu daria minha vida. Você sempre soube disto, não soube? Desde que me conheço por gente, eu fui apaixonada por você. Quando nossa família se separou, eu não te esqueci. Pensava em você todos os dias. Por vezes eu me perguntava se era obsessão ou paixão. E quando finalmente eu descobri você no Facebook, meu mundo se abriu.

Ele nunca havia escutado aquela história, o meu lado da história. Com total atenção do Nando, eu prossegui, tentando de forma resumida, mostrar o tamanho do meu amor por ele.
− Eu segui você pelas areias da praia, naquele reveillon. Só fui passar o final de ano lá porque eu soube pelo Facebook onde você estaria. Sei também que você só ficou comigo porque estava de porre. Mas não me importei, Nando, porque eu estava vivendo um sonho incrível. E se eu lhe contasse quem eu era, você me daria um pé na bunda. E – confessei, sem até então ter me dado conta disso – não imaginava que você pudesse gostar de mim um dia.

Parei para enxugar minhas lágrimas enquanto ele, em silêncio, esperava o resto da minha narrativa.
− À medida que nós nos envolvíamos, ficava cada vez mais difícil eu te contar tudo. Mas eu tentei, Nando. Eu juro que tentei.
− Você devia ter me contado – ele disse, atormentado – Isto teria evitado… muitas coisas.

Ficamos em silêncio novamente. Um curto silêncio.
− Como você acha que eu me senti depois de ter tomado aquela surra, Fernando?
− E como você acha que me senti, Pauline? Venho vivendo no inferno desde aquela manhã horrível.
− Sabe por que eu fugi, Nando? Não suportei a idéia de ter levado uma surra de você. Você teria me matado se meu primo e meu tio não o tivessem afastado de mim. Doía no meu peito saber que você me odiava. Para mim é impossível conviver com isto.
− Conviver com o quê?
− Com o fato de você me odiar – respondi quase aos prantos.
− Nunca odiei você.
− Não era o que seus olhos diziam naquele dia – eu contestei, com o coração aos pulos.
− Eu me senti traído. Não encontrei outra maneira para reagir.

E segurando minhas mãos, Nando olhou bem nos meus olhos e disse:
− Desculpe, Pauline. Por favor, diga que me perdoa.

Nem em meus sonhos eu esperei ouvir aquele pedido de desculpas. Era demais para mim. Comecei a chorar, desta vez pra valer. Me joguei nos seus braços, sentindo o cheiro dele, a pele, o calor. Meu Deus, que saudade. Achei que nunca mais veria o Nando novamente e nem escutaria o som da sua voz, a não ser nos meus sonhos e pesadelos. Também senti as lágrimas dele escorrerem pelo meu rosto quando ele pediu, suavemente:
− Volte comigo, Pauline. Venha comigo para casa. Diga que vai ficar comigo para sempre...

Engoli um soluço e respondi, tentando descontrair o ambiente carregado de emoção:
− Só se você jurar que vai casar comigo.
− Eu juro, se você jurar a mesma coisa.
− Eu juro.
− Então eu juro também.

Quando dei por mim, estávamos envolvidos em um longo beijo. Na verdade, acho que nunca trocamos um beijo tão ardente em nossas vidas. Meu cansaço, enjôo e tontura foram esquecidos nos lábios dele. Eu estava tão emocionada que interrompi o beijo para recomeçar a chorar.
− Vamos esquecer isto tudo – murmurou ele no meu ouvido – e começar nossa vida outra vez agora… agora que não existem mais segredos entre nós.
− Sabe como me sinto? – perguntei, segurando o seu rosto bem junto ao meu – Parece que o peso do mundo inteiro foi tirado das minhas costas. Eu… odiava ter que esconder tudo de você, Nando. Naquela vez, lá na praia… lembra? Na Páscoa... – Tive que engolir o choro para poder continuar – Eu tentei contar tudo para você, juro que tentei. Mas meu medo de que você me odiasse foi tão grande que não consegui confessar nada.
− Eu sempre soube que você me escondia alguma coisa. Por vezes achava que você deveria ter algum namorado secreto lá onde seus pais moram... Cheguei a imaginar mesmo que fosse um filho que você escondesse de mim. Perdi as contas de quantas vezes eu ficava observando você dormir – revelou ele, para minha surpresa – e me impressionava com sua expressão de tensão. E dor.
− De dor?
− Você sofria até mesmo quando dormia, Pauline. E me angustiava saber que você não confiava o bastante em mim para me contar o que lhe fazia sofrer tanto.
− Tudo o que eu fiz... fiz por amor – sussurrei no ouvido dele – Nada mais que isto.
− Então volte comigo. Eu não atravessei o Brasil inteiro para deixar você aqui.

Antes que eu respondesse, a porta foi aberta bruscamente. A médica nos olhou e franziu a testa ao nos ver tão juntos.
− Bem, pelo visto a mocinha já está recuperada. Será que vocês podem nos dar licença? Tem outro passando mal aqui.

Ajudada por Nando e ainda com as pernas fracas, saí amparada por ele, sentindo-me tão leve que se me dessem asas sairia voando. Não lembrava da última vez que havia me sentido tão feliz. Então, curiosa, perguntei:
− Foi realmente o Victor que trouxe você para cá, não foi?
Fernando deu uma risada e me puxou mais perto dele.
- O telefone do seu amigo nunca foi configurado para ser confidencial. Daquela vez que você me ligou, pelo prefixo eu percebi que era do Nordeste. Evidente que logo desconfiei que era você. Deixei passar um tempo e telefonei de volta. Victor atendeu a ligação e contou quem ele era, onde você estava e relatou tudo o que se passava. Eu fiquei louco. Acertei algumas pendências que eram urgentes, comprei uma passagem de avião e me mandei para cá. Quando cheguei hoje, o Victor me ligou que vocês estavam vindo para a ponte e que você pretendia se matar saltando de bunggie jump. Eu vim de táxi até aqui e cheguei bem na hora que os instrutores falavam com você, segundos antes do salto. Até agora eu não acredito que você tenha feito aquilo. O que você pretendia, Pauline? Se matar?
− Eu… eu não sei – respondi, ligeiramente envergonhada – Eu só não queria pensar em você. Achei sua voz tão fria no telefone da última vez que liguei... A impressão que tive foi que você me odiava ainda e eu não pude suportar. A dor veio inteira de novo e eu precisava urgentemente me preocupar com alguma coisa que não fosse você – Senti as lágrimas virem com força aos meus olhos – A única coisa que veio a minha mente foi saltar de uma ponte.
− Bem, me parece que você caiu dela – Nando retrucou rindo.
− Que vergonha... mas pelo menos você está aqui. Nada mais importa agora.
− Nada mais – repetiu ele, beijando-me suavemente.

Victor e Fred nos esperavam mais a frente, sorrindo e se cutucando. Quando chegamos mais perto, eles se aproximaram e nos envolveram em um longo abraço. Os dois estavam visivelmente emocionados.
− E você não queria telefonar para ele! – Victor exclamou, fazendo que acertava um tapa na minha testa.
− E você trapaceou! – acusei rindo.
− Quisera Deus que todos os trapaceiros agissem pelo bem como você fez, Victor – falou Nando, para em seguida agradecer – Vou ficar lhe devendo esta, cara.
− Só de ver Pauline sorrindo, isto paga tudo – respondeu ele, olhando para mim – Na verdade, acho que é a primeira vez que vejo você sorrir desde que aportou aqui.
− Deve ser porque estou feliz – eu disse, sentindo que meu sorriso cada vez se alargava mais.

Começamos a nos dirigir lentamente para o jipe. Frederico então comentou:
- Acho que perdemos nossa amiga, Victor. Fernando vai levá-la de nós.

Pela primeira vez me dei conta daquilo.
− Nós iremos voltar outras vezes, não é, Nando? – perguntei ligeiramente ansiosa.
− Na nossa lua de mel, seguramente.

Victor fez uma expressão sonhadora, olhou para o céu e murmurou com a voz melodiosa:
− E eles viveram felizes para sempre... Mas eu ajudei a escrever o final desta linda história de amor.

E então Nando, abraçando-me mais fortemente ainda, profetizou:
− Não é o final, Victor. É apenas o começo de tudo.



quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 70)


            Havia tantas pessoas que eu comecei a ficar tonta. Respirei fundo. Mesmo assim eu não pensava em desistir. Eu precisava saltar. Desejava urgentemente de alguma motivação, de pensamentos diferentes. Qualquer coisa que me levasse para longe do Nando e do seu ódio mortal.
            Quando estávamos bem próximos, Victor olhou para mim com uma expressão de riso e desconfiança. Perguntou:
− Você vai saltar?
− Vou – respondi com a voz fraca.
− O que você quer provar, Pauline? – Victor cruzou os braços e ficou na minha frente, impedindo minha passagem – O que está acontecendo?
− Nada. Eu quero saltar. Qual é o problema?
− Nenhum. Ainda dá tempo para desistir desta palhaçada. Vai pular, então?
− Claro. Você não disse que é seguro? Ninguém morreu até agora. Eu não vou ser a primeira.
− Só temo que você morra de susto – sentenciou Fred.
            Não respondi por que também este era meu medo.
− Está certo. Eu vou falar com o pessoal e inscrever você – disse Victor, finalmente, afastando-se de nós.
            Fiquei parada ao lado de Fred, sentindo-me desamparada. Escutei a voz dele enquanto eu divagava na minha tristeza:
− Você está com dor de barriga?
− O quê? – olhei para ele espantada.
− Pauline, você devia se olhar no espelho. Sua expressão é algo assustador.
− E você queria que eu estivesse como? O homem que eu amo me odeia! Quer que eu faça o quê?
− Qualquer coisa. Menos saltar de bunggie jump – respondeu Fred com sua paciência habitual.
            Ele fez uma pausa e prosseguiu:
− Bem, continuo achando que você está com uma vontade louca de ir ao banheiro.
− Só se for para vomitar – murmurei, sentindo meu estômago começar a se revoltar.
            Tinham passado uns cinco minutos quando Victor retornou apressado. De repente, ele parou a minha frente, pegou meu braço e foi me puxando em direção ao lugar de onde as pessoas estavam saltando. Disse:
− Venha, você é a próxima!
            Empalideci de vez e minhas pernas faltaram. Mesmo assim consegui ficar em pé, sendo segura por Victor e com Fred no nosso encalço.
− Mas já? – perguntei tensa – Recém chegamos! Não há outras pessoas na minha frente?
− Você é a primeira mulher hoje que vai pular. Nenhuma se arriscou até agora. Por isto os organizadores abriram um espaço para você.
            Bem, pensei eu, pelo menos a tortura vai acabar logo. De alguma forma, enjoada e sem sentir as pernas, eu cheguei próximo de onde se saltava. Fui cercada por uns dois caras que começaram a me dar algumas instruções. Tentei escutar alguma coisa, mas meus nervos estavam em frangalhos. Meu enjôo aumentou. Fiquei levemente tonta e achei que fosse desmaiar. Quando respirei fundo, um dos homens perguntou:
− Vai saltar?
            Minha voz saiu firme e forte.
− Vou.
            Então comecei a ver as coisas como se eu não estivesse mais no meu corpo. Eles continuaram a me dar instruções, mas minha cabeça estava longe. Puseram-me um capacete, prenderam as cordas ao redor do meu corpo. Eu tinha uma leve sensação de que voava. Victor e Fred não estavam próximos. Até então eu não tinha tido coragem de olhar para baixo. Era melhor mesmo continuar olhando para cima ou para os lados.
            Aquela sensação estranha de que eu não estava ali permanecia e eu não sabia dizer se era bom ou ruim. Cheguei a me perguntar se seria possível eu algum dia voltar ao mundo... ou será que voaria para sempre? E nesse mundo, o Nando conseguiria um dia me encontrar?
− Está pronta para o salto?
            Olhei para o homem que me perguntou e balancei a cabeça, muito lentamente. Meu Deus, disse para mim mesma, não posso mais voltar agora. Eu era o centro das atenções. Parecia que o mundo inteiro estava com os olhos pregados em mim. Tenho que ir em frente, tenho que ir em frente.
            Eram apenas dois passos para frente que eu tinha que dar. O terceiro era o espaço vazio que me esperava. De alguma forma parei no ponto do salto e arrisquei um olhar para baixo.
            Simplesmente assustador. Água, altura, pânico, enjoo. Tudo junto ao mesmo tempo. Achei que não sairia viva daquela aventura infeliz que eu havia me metido. Por que eu não tinha inventado outra coisa menos imbecil? Teria sido muito mais simples se eu tivesse calçado meus tênis e ido correr na areia da praia até cair exausta no chão. Ou então tomasse uma caixa de calmantes para ter uma morte mais calma e sem emoção. Tudo culpa do Nando.
            Eu estava ali, pronta para pular, mas sem me mover um milímetro. Havia um silêncio em minha volta, todos aguardando que eu saltasse. Muitos já deviam estar se cutucando, dizendo: ela não vai conseguir, ela vai recuar, ela FRACASSOU. Ainda me sentia fora de órbita quando olhei para trás, tentando visualizar Victor e Fred, em busca de um derradeiro apoio moral.
            Custei um pouco a encontrá-los. Eles estavam um pouco mais para a esquerda, a uns dez metros de mim, olhando-me com uma expressão de diversão. Junto deles havia uma terceira pessoa, um homem.
            Era o Nando.


quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 69)


           Era sábado e eu estava de folga. Isto não era bom. Novamente eu precisava me ocupar para não ficar pensando em nada que me perturbasse. Quando encontrei Victor e Fred na cozinha a primeira coisa que eles perguntaram foi:
− Está melhor agora?
            Achei os dois estranhos. Pudera, deviam ter ficado assustados com meu show na noite anterior.
− Mais ou menos – confessei – Eu preciso urgentemente fazer alguma coisa diferente antes que eu me exploda. E o pior de tudo é que estou de folga. Será que sua mãe não vai precisar de mim hoje?
            Eu estava pronta para procurar a minha chefe e implorar por algum tipo de trabalho, mas Victor veio com uma proposta interessante:
− Pensei em algo melhor. Você gosta de bunggie jump?
− Bem, eu… nunca saltei.
− Quer ir com a gente? E saltar? Tem uma ponte a mais ou menos uns cinqüenta quilômetros daqui. Parece que hoje os aficionados do esporte vão se reunir lá. Eu e o Fred vamos ver como é. Pensamos em levar você.
            Era exatamente daquilo que eu precisava. Além do meu horror por água, eu sempre detestei altura. Minha mente precisava se distrair com algo que me atemorizasse para que Nando passasse para um segundo plano.
− Eu quero ir. Vamos! E eu vou saltar.
            Fred suspirou:
− Cara, esta garota é louca.
            Victor me encarou surpreso:
− Ei, eu estava apenas brincando. Nós só vamos olhar. É muito divertido.
− Bem, eu vou saltar – assegurei firme com o meu propósito de esquecer Fernando – Acho que será uma experiência inesquecível.
            Silêncio.
− Você tem certeza?
− Absoluta – eu garanti – A que horas nós vamos sair?


            Sentei no banco detrás do jipe. Fred e eu aguardávamos Victor para irmos para a ponte. Reparei que meu amigo estava pendurado no celular, sem parecer estar com muita pressa. Um pouco aborrecida eu perguntei:
− Com quem seu namorado conversa tanto? Faz uns dez minutos que ele está falando sem parar!
− Não faço a menor idéia – declarou Fred levantando o som do rádio – O que você acha desta música?
− Odeio reggae! – quase gritei emburrada. Quando minha paciência estourou, eu fiquei em pé no jipe e chamei – Vic! Ei, Vic! Vamos de uma vez!
            Eu estava impaciente. Fazia um esforço incrível para não pensar no Nando e só me preocupar com minha próxima aventura. Por enquanto eu estava me sentindo bem segura do que iria fazer.
            Victor fez um sinal de que não iria demorar e uns dois minutos depois desligou finalmente o celular. Calmamente ele veio na direção do carro, deu a partida no motor e me olhou sorridente:
− Pronta para se matar?
− Não vou me matar – respondi ainda emburrada.
− Não é o que parece. Bem, vamos lá.
            O trajeto até a ponte foi bem divertido. A música corria solta e em volume alto. Eu cantei músicas que não gostava e nem conhecia a letra para espantar a tristeza que tentava tomar conta do meu peito. E eu lutei. Durante aqueles cinqüenta quilômetros percorridos eu fiz o possível para sentir um pouco de vida dentro de mim. Falei feito um papagaio, cantei, gritei, até mesmo dei gargalhadas. E eu nem sei do que ri. Na verdade, eu me sentia como se estivesse na beira de um precipício e necessitava, desesperadamente, segurar-me em alguma coisa para não despencar em um buraco sem fundo.
            Eu estava distraída cantando em inglês uma música que eu nunca havia escutado na vida, quando Fred se virou apontando para frente:
− Olha lá, Pauline. A ponte.
            A ponte. Meus olhos se arregalaram quando eu visualizei a famosa ponte de onde eu pretendia saltar. Um rio passava por baixo, o que não me adiantaria em nada caso a corda elástica se arrebentasse. Havia pessoas lá, eu podia ver. E naquele momento alguém se jogou para delírio dos demais. Fiquei arrepiada. Pela primeira vez uma dúvida surgiu na minha mente.
− E então? – perguntou Victor – Disposta?
- Claro – respondi tentando manter minha convicção – 100% disposta.
            Minha disposição havia diminuído para 50% e a perspectiva é que ela desabasse mais ainda. Respirei fundo para não deixar o medo vir. Entre pensar no Nando e enfrentar a ponte, eu ficaria sempre com a segunda opção.
            Infelizmente o jipe percorreu a distância mais rápido do que eu gostaria. Victor custou a achar um lugar bom para estacionar o carro e acabamos tendo que caminhar um pouco mais até chegar ao local. E à medida que eu me aproximava, minhas pernas tremiam, minhas mãos suavam e eu me sentia ficando pálida. A única coisa que eu pedia era para não desmaiar.

domingo, 23 de dezembro de 2012

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 68)


Tomei um banho e fui procurar o Victor. Ele e Fred estavam sentados na varanda da pousada, trocando confidências. Geralmente eu não costumava interromper aqueles momentos íntimos entre os dois, mas achei sinceramente que eles não iriam se importar.
− Victor...
           
Acho que dei um susto nos dois. Meu amigo se voltou rapidamente e quando se deparou com minha expressão perguntou tenso:
− O que houve com você?
− Por quê? – perguntei igualmente tensa.
− Você está horrível – declarou Fred.
− Eu… bem… Victor, você pode me emprestar seu celular novamente?

Ele me encarou e foi tirando o celular bem devagar do bolso das calças. Estendi a mão para pegá-lo, porém antes de me entregar, Victor indagou:
− Vai falar com quem?
− Com ninguém. Só quero escutar a voz.
           
Victor revirou os olhos, como se sentisse exasperado.
− Você quem sabe. Se for o máximo que consegue fazer...

Nem respondi. Agradeci rapidamente e me afastei alguns metros em direção à praia. Era noite. Não havia ninguém próximo. Somente o som das ondas e o meu sofrimento me cercavam.

Foram três tentativas até que eu conseguisse acertar o número do Nando. E desta vez ele atendeu rápido, antes da segunda chamada.
− Alô?

A voz dele estava diferente. A impressão que tive era que ele estava esperando por aquela ligação.

Tranquei a respiração e emudeci. Escutei a respiração dele do outro lado. Ele aguardava uma resposta que não veio. Uns dez segundos de silêncio e Nando tentou novamente:
− Quem está aí?

Desta vez cheguei a abrir a boca para falar. Só faltou a voz. Agarrei com força o celular e deixei escapar um soluço. E ele escutou.
− Onde você está?

Pronto, ele descobriu que era eu. Desliguei o telefone na hora e voltei correndo para a varanda. As lágrimas escorriam pelo meu rosto quando devolvi o celular para Victor.
− O que você fez agora? – perguntou meu amigo, sem saber se me apoiava ou se ria da situação.
− Eu chorei no telefone! – respondi quase histérica – E ele reconheceu meu soluço.

Os dois desabaram a rir. Fiquei parada na frente deles, sem saber o que fazer.
− Isto não tem graça nenhuma – murmurei.
− Tudo bem – disse Victor, tentando se controlar – Me conte o que houve.
− Bem, eu… - minhas mãos se retorciam nervosas – Ele atendeu logo da primeira vez. 
Acho que ele sabia que era eu de novo. Não respondi e o Nando perguntou quem estava do outro lado da linha. Então eu solucei! Victor, ele reconheceu meu soluço! Que ridículo!
− E depois? – perguntou Victor curioso – O que seu namorado disse?
− Perguntou onde eu estava.
− E você?
− Eu desliguei.

Victor e Fred se entreolharam com uma expressão de desânimo.
− Inacreditável – sussurrou Victor.
− Eu… eu não senti amor na voz dele – expliquei, sentindo a garganta apertar. Sim, era isto. Total falta de amor.
− Pode ter sido impressão sua – disse Fred calmamente.
− Não foi – eu funguei, enxugando os olhos. Meu mundo estava desabando novamente em cima de mim.

Victor me olhava ainda com uma expressão de riso.
− Ele perguntou onde você estava? Não foi isto?
− Foi.
− E você não acha que isto é uma prova de amor?
- Não. Você não escutou o tom de voz dele – respondi segurando o choro – Não havia carinho, não havia amor, não havia nada. O Nando está com raiva de mim até hoje. Ele não foi capaz de superar o ódio que sente de mim – Minha voz começou a ficar alta, perigosamente alta e histérica.
− Pauline, você não teve tempo de escutar direito...
− Não, Victor – pedi sentindo-me derrotada – O Nando quer saber onde estou apenas para terminar a surra e me matar de vez!

Saí da varanda e fui para meu quarto deixando os meus dois amigos parados na varanda, mudos. Talvez estivessem surpresos com meu ataque de histeria e felizmente não havia nenhum hóspede por perto para testemunhar meu surto. Tomei um banho rápido e chorei tanto que fui dormir com uma enorme enxaqueca. Para meu próprio espanto, dormi feito uma pedra. Quando acordei, o sol entrava pela minha janela. Minha cabeça não doía mais. Meu coração, sim. Como eu poderia viver sabendo que o homem que eu amava ainda me odiava?

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

FAÇO TUDO POR AMOR (CAP. 67)


Naquela noite nada aconteceu. Vic saiu com Fred e eu dei graças a todos os santos. Porém, no outro dia pela manhã eu me acordei angustiada. Sonhei com Nando, um sonho muito real, as imagens eram nítidas, os diálogos verossímeis. Ele me pedia que eu desse notícias, pois a falta que sentia de mim era enorme.

Chorei alguns minutos antes de finalmente me levantar da cama. Eu pude sentir o toque das mãos dele no meu rosto, queimando minha pele. E havia sido apenas um sonho! Lavei o rosto várias vezes para espantar meus olhos vermelhos. Quando cheguei na cozinha dei de cara com meu amigo. Ele preparava o café e me deu uma olhada de soslaio. Perguntou:
− Você está com sono ou chorou?

Victor tinha a irritante mania de fazer perguntas embaraçosas. Sem jeito respondi:
− Chorei.
− Por causa dele?
− Por quem mais seria?
− Por mim.
Tive que rir.
− Tudo bem – ele disse – Sei que não sou tão importante assim na sua vida.
− Pare de dizer besteiras. Você entendeu – fiz uma pausa e emendei – Eu sonhei com o Nando.
− Como foi?

Contei com toda riqueza de detalhes e acabei chorando de novo. Sem se deixar levar pelas minhas lágrimas, Victor disse:
− Se quer saber, não estou com pena de você. Pauline, se você pode ter esse homem de volta, por que não faz alguma coisa?
− O quê? Eu apanhei dele... Nando me odeia.
− Vamos ligar para ele. Escute a voz do Fernando. Caso se sinta encorajada, diga que é você.

Pela primeira vez não contestei aquela ideia maluca. Mas mesmo assim meu coração se acelerou com aquela possibilidade.
− Escute, Vic... Eu tenho medo que ele tenha alguém.
− Isto é algo que você terá que enfrentar algum dia.
− Mas eu pensei em algo diferente.
− No quê?
− Ele sempre sai para almoçar ao meio dia. Fica aproximadamente duas horas fora. Se você ligasse para o banco em que Nando trabalha, podia sondar com a secretaria se ele tem alguém.
− Alguém… no caso, uma mulher?
− Claro. Se o Nando estiver namorando, eu desisto. Fico aqui, seguindo minha triste vida.

Victor me encarou como se eu fosse uma retardada mental.
− Se eu entendi direito, você quer que eu ligue para a secretária do seu ex-namorado e pergunte se ele está namorando?
− Em suma é isto. Mas eu confio nos seus talentos para desenvolver uma história convincente e arrancar qualquer coisa da secretária.

Ele fitou meus olhos ansiosos. Pelo menos era assim que eu me sentia. Ele sorriu e concordou:
− Tudo bem. Tente dar uma escapada por volta das 12h30min. Será que é um bom horário?
− Acho que sim – respondi nervosamente.
− Então está certo – ele retrucou espreguiçando-se – Vou tomar meu suco e pegar umas ondas. Volto um pouco antes do meio dia, está bem?

O resto da manhã eu trabalhei sentindo meu coração pular dentro do peito. Tentei dar o máximo de mim em cada coisa que eu fazia para não pensar nos próximos acontecimentos. Simplesmente eu estava em pânico.

Encontrei-me com Victor no escritório da pousada. Com as mãos geladas, entreguei o número de um dos telefones do gabinete do Nando para meu amigo.
− Este aqui não tem problema. O telefone não tem identificador de chamadas. A mulher nunca vai saber que a ligação é interestadual.
− Pelo meu sotaque ela vai saber.
− Mas a secretária nem vai se tocar! Ligue de uma vez, Vic! Esta angústia está acabando comigo!

Muito calmamente, Victor discou os números mostrando-se muito confiante. No viva-voz eu pude escutar tudo, sentindo o suco que eu tinha tomado às sete horas da manhã subindo garganta acima.
Depois de duas chamadas a secretária atendeu. Eu reconheceria aquela voz antipática até no inferno:
− Assessoria Jurídica, gabinete do Dr. Fernando, boa tarde.
Sem pestanejar e empoando a voz, Victor começou sua atuação:
− Boa tarde, eu gostaria de falar com o senhor Fernando.
− O doutor Fernando está no almoço. Quem deseja, por gentileza?
− Meu nome é Arthur, sou agente de viagens. Preciso confirmar a viagem do senhor Fernando para o Panamá na próxima segunda-feira.
− Viagem? – perguntou ela estranhando aquela conversa.

Eu escutava a tudo, estática.

− Exatamente. Gostaria de acertar alguns pequenos detalhes com o senhor Fernando e com a sua esposa relativos à viagem. A que horas ele retorna, por gentileza?

Meu Deus, pensei, branca. Agora ela vai abrir a boca e confirmar que o Nando casou.
− Eu acho que o senhor ligou para o número errado.
− Acredito que não, senhora. O senhor Fernando procurou nossa agência de turismo e comprou um pacote para o Panamá para desfrutar uma segunda lua-de-mel com sua esposa.
− É um engano – retrucou a mulher secamente – O doutor Fernando não tem férias marcadas, não é casado com ninguém e não tem qualquer interesse em conhecer o Panamá.

Vibrei como um torcedor que vê seu time ser campeão.

− Este não é o telefone do senhor Fernando Ricardo?
− Não, não é.
− Então realmente cometi um engano terrível. Boa tarde, senhora.

E Victor desligou o telefone. Ambos começamos a rir e eu desabei no sofá, aliviada.

− Só você mesmo para ter uma ideia assim. Puxa, então ele não casou. No máximo, deve ter alguma ficante.
− Na minha opinião você foi a última mulher dele.
− Quem me dera…
− E então? Vamos tentar o celular dele agora?

Empalideci.

− Não. Deixe que eu me recupere desta ligação. Por favor. Por favor, Vic. Victor, eu não quero que você faça isto!

Tarde demais. Com o seu aparelho em punho, Victor discou o número do celular do Nando, que eu havia lhe passado minutos antes. Em pânico, escutei, também pelo viva-voz, o celular tocar mais ou menos quatro vezes. Então o Nando atendeu:
− Alô?
Olhei para Victor apavorada. Escutar a voz do Nando depois de meses era algo surreal.

Nando fez uma pausa do outro lado esperando alguma resposta. Um pouco irritado ele insistiu:
− Alô? Com quem quer falar?

Victor fez um sinal para que eu dissesse qualquer coisa. Mas mesmo que eu quisesse, não tinha condições. Minha garganta se fechou na desesperada tentativa que eu fazia para não me debulhar em lágrimas.

A pausa foi maior desta vez. Quando Nando falou novamente, a voz dele já estava em outro tom:
− Será que eu posso ajudar você?

Imediatamente eu desliguei o celular, com as lágrimas deslizando pelo rosto. Encarei Victor e balbuciei:
− Ele sabe que fui eu. E agora?
− E agora? Que ótimo. Assim ele sabe que você não morreu e está querendo fazer contato. Você não tem ideia o quanto seu amor vai esperar ansiosamente pela próxima ligação.
− Eu não vou fazer isto!
− E por que não?
− Ele não me ama.
− Não lhe entendo. Pauline, você fez tudo para conquistar esse homem. Esperou por anos para tê-lo ao seu lado. E então você foge como se houvesse matado alguém e...
− Vic, ele se apaixonou por mim porque não sabia quem eu era. Quando descobriu só não me matou porque o pai e o irmão impediram.
− Só que agora ele sabe quem é você. E não deixou de lhe amar, eu tenho certeza.

Mesmo assim eu não me convenci com as palavras dele. Comecei a sentir um vazio dentro do peito e um arrependimento terrível de ter ligado para o Nando e escutado sua voz. Toda a minha depressão parecia voltar em ondas.

− Ei, vai se entregar agora?

Lutei para segurar minhas lágrimas e as engoli com certo esforço. Mas eu estava me sentindo muito mal.

− Não sei se terei condições de trabalhar assim. Sua mãe quer que eu fique na recepção hoje.
− Tudo bem, eu fico com você. Um dia vamos dar risada disto tudo.

Fiquei a tarde toda na recepção e não foi de todo ruim. O telefone tocava a todo instante, pessoas chegavam, saíam e consegui me concentrar no serviço, deixando a tristeza escondida em algum ponto do meu coração. Quando fui liberada por volta das sete horas da noite, eu podia escutar a voz do Nando reverberando no meu cérebro.

Com uma terrível dor de cabeça, eu não quis nem jantar. Fui direto para a cama, sendo ladeada por Victor e Fred. Vendo a expressão do meu amigo, achei que ele se sentia um pouco culpado por eu me encontrar naquela situação. De qualquer forma, eu dormi em menos de dez minutos. Meu sono foi pesado e sem sonhos até o horário próximo de me levantar. Então tive um pesadelo daqueles de arrasar o coração de qualquer mortal. Sonhei que eu havia ficado frente a frente com o Nando e ele simplesmente passara reto por mim, sem me cumprimentar, ignorando-me totalmente. Acordei-me em seguida sentindo aquele vazio aterrador, e desatei a chorar convulsivamente por uns quinze minutos. Ao cabo deste tempo, levantei-me e me enfiei debaixo do chuveiro, esperando que a água fria levasse embora a minha cara de vítima. Pelo menos a dor de cabeça havia passado, mas eu não sentia a menor vontade de fazer coisa alguma.

Encontrei com o Victor na cozinha lavando sua xícara. Ele perguntou:
− Dormiu bem? Fiquei preocupado com você.
Fiz um gesto de que estava tudo bem. Respondi:

− Meu ex-namorado me causa alguns achaques… Não poderia ser diferente. Dormi bem até agora de manhã, mas agora a pouco tive um pesadelo com ele.
- Como foi?
- Sonhei que nos encontramos em algum lugar e simplesmente fui ignorada. Horrível, não? Não sei o que é pior... Ser absolutamente nada para o Nando ou levar uma surra dele.

Victor riu.

− Não seja dramática.
− Não estou sendo dramática! – protestei – Estes são os fatos. Uma ameba significa mais para o Nando do que eu. Puxa, eu seria tão feliz se pudesse esquecê-lo! Por que não aparece outro cara na minha vida?
− Porque a história de vocês ainda não terminou. Eu já não disse isto antes?
− Não me venha com esta de novo. Terminou sim. E com aquele enorme barraco...
− Ei! Por que não liga para ele de novo?
− Porque não quero me afundar mais ainda na minha depressão.
− Bem, você quem sabe – disse ele olhando para o relógio – Estou atrasado para o meu curso. Cuide-se. Se precisar do celular, me avise.
− Não vou precisar – retruquei emburrada, enquanto ele me beijava a testa.

Passei o resto do dia trabalhando como uma condenada. Eu precisava daquilo. Precisava me distrair, me ocupar, ver outras pessoas, pensar coisas diferentes. Mesmo assim, quando meu expediente terminou, senti-me terrivelmente sozinha. Arrastei-me até o quarto arrasada. De repente me deu uma vontade incrível de escutar a voz dele novamente. Só mais uma vez. Uma vez só. A última vez. Depois disto eu me fecharia dentro de mim, tentaria partir para outra. Fiquei fazendo mil promessas, procurando desculpas para escutar o som da voz do Nando. E eu sabia que era tudo mentira, que meu amor jamais acabaria, pelo resto da vida eu levaria a sombra daquele amor escondido dentro da minha alma. Tudo o que eu fiz, eu fiz por amor. Mas ele jamais saberia do tamanho do meu sentimento. E nem queria saber.